A INJUSTIÇA UM MAL SEM CURA

Próximo para se comemorar, todo o dia é da eterna Injustiça, mãe da corrupção e de todo o mal da humanidade.

A injustiça é uma desgraça. Se houvesse uma nódoa na Criação, essa seria a da injustiça. Não podemos descansar um só instante, estamos “sempre alerta”, como escoteiros, de atalaia, olhando de soslaio para este mal, insondável quanto mais procuramos a razão da sua aposição no cenário da tragicomédia humana. Não podemos calcular, por mais que nos esforcemos, o dano causado por esse instinto mesquinho, impeditivo, genocida, aposto no âmago da alma humana. O mundo, por inteiro, se ressente das investidas desse mal que mina os organismos e mumifica a dor através dos tempos.

Em nosso país, infelizmente, ela, a injustiça, medeia toda a trama do tecido social, incorrendo nos governos, em perdas sucessivas de batalhas que poderia ganhá-las, exatamente contra esse monstro de enésimas fácies que atormenta o homem e o reduz a mero traste diante da impotência crônica do fazer ou não fazer, patologia que se acerca, cada vez mais, do povo brasileiro, atônito com as investidas sucessivas e lépidas dos escândalos - dejetos dela, a injustiça - que envolvem a ética e a moralidade, virtudes intrínsecas da alma.

Para qualquer lado que se olhe, na rua ou mesmo no campo, na varanda, na sala, nos salões de recepções, ou na cozinha, a Injustiça campeia. É o mal mais presente entre nós, alastrado e arraigado em toda a sociedade, nos estamentos e até nas organizações religiosas.
O Judiciário, como em todo o mundo, procura "suavizar” a intromissão impertinente dessa mancha encardida, sem lograr êxito no fechar das contas. Pelo contrário, o Judiciário vive imerso em injustiças, com as exceções escassas, o que se constata de todo ângulo.
Ela é um câncer persistente, imune à totalidade dos específicos. É virulenta, deslumbra e forma os caracteres mais abomináveis. É hereditária e faz sucessores.

A qualquer dia, a qualquer hora, ali está ela disposta, expedita, pérfida, diligente no trato com o que a nutre, auditora pragmática, monocrática, à espera do incauto para arremessar-lhe os seus opróbrios, as suas maquinações para o triturar.

Alimentada, ora pela ambição, ora pela pecúnia, visivelmente, sempre juntas, ora por mero diletantismo, ela destrói personalidades, famílias, parentescos, amizades, crenças, ideais, enrascando a própria alegria de viver. Não se pode descurar no seu trato. Haveremos de combatê-la, sempre, com “animus” e persistência. E, o pior, ela medra ao lado da Justiça, assim como a erva daninha – o joio – ao lado do trigo. É corruptora por excelência, e, por causa disso, com a corrupção não se estranha, e, ao seu lado, fica confortável e presunçosa.

Quem já foi alvo de injustiças, sabe muito bem o quanto elas podem acordar e arremessar, sobre o homem, os enxames esfogueados, que agem protegidos por uma esfera enlameada, que se escora por entre o aconchego das proteções tendenciosas.

Acredite-me, a injustiça é muito pior que a ignorância, pois, os males desta não têm, necessariamente, o fito em nos causar mal extremo. Aliás, as traquinices da ignorância não se igualam às transgressões desumanas da injustiça.

Fel e vinagre, eis a composição orgânica da injustiça; estrume, eis a sua derivação fisiológica. Mas, as suas garras estão fincadas no centro da Terra... Radicadas! Os seus tentáculos envolvem o planeta num falso abraço e o sufoca tenazmente... É a musa dos infernos, a mamba negra dos destinos! Vizinha inimiga da felicidade e a antítese do altruísmo. A violência maior.

Luís da Velosa

A CURIOSIDADE

Há muita gente que não pode deixar passar uma observação. É um impulso incontrolável, às vezes chegando às raias da inconveniência. Outras tantas, parecem deixar patente uma pontinha de inveja, um sentimento de inferioridade. Seja lá o que for, pode acontecer. Estamos falando daquela pessoa, querida ou não, que ao defrontar-se com a nossa biblioteca não resiste à tentação e pergunta se já lemos aquele montão de títulos. Ora, realmente, é humanamente impossível que alguém possa ser afirmativo. Quase sempre a resposta é exatamente aquela que o interlocutor não esperava ouvir:

- Não, não li todos os livros... Mas, lhe asseguro que os não lidos foram consultados.
O sorriso, que mais parece de decepção, toma conta do rosto indigente e olhar quedo.

Marco Antonio de Cádiz

O NAVIO NEGREIRO

I


‘Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar – doirada borboleta –
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.

‘Stamos em pleno ar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias
- Constelações do líquido tesouro...

‘Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dois é o céu? Qual o Oceano?...

‘Stamos em pleno mar... Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares
Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem?... Onde vai?.... Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Nesta Saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest’hora
Sentir deste pinel a majestade!...
Embaixo – o mar... em cima – o firmamento....
E no mar e no céu – a imensidade!

Oh! Que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! Côo é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! Ó rudes marinheiros
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!

Esperai! Esperai! Deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia,
Orquestra – é o mar que ruge pela proa,
E o vento que nas cordas assobia...

...................................................................................................................

Por que foges assim barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! Quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar – doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! Águia do oceano,
Tu, que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviatã do espaço!
Albatroz! Albatroz! Dá-me estas asas...

II

Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?...
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! Que a noite é divina!
Resvala p brigue à bolina
Côo um golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
Às vagas que deixa após.

Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de languor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor.
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente
- Terra de amor e traição –
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos do Tarso
Junto às lavas do Vulcão!

O Inglês – marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou –
(Porque Inglaterra é um navio, Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando orgulhoso histórias
De Nelson e de Aboukir.
O Francês – predestinado –
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir...

Os marinheiros Helenos, que a vaga iônica criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens de Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu...
...Nautas de todas as plagas!
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu...

III

Desce o espaço imenso, o águia do oceano!
Desce mais, inda mais... que quadro de amarguras!
É canto funeral!... Que tétricas figuras!...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

IV

Era um sonho dantesco... O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar do açoite....
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças... Mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e máguas vãs.

E rir-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja... se o chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!

....................................................................................................................................


Um de raiva delira, outro enlouquece...
Outro, que de martírios embrutece...
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra
E após, fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
“Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-me mais dançar!...
E rir-se a orquestra irônica, estridente...
E da roda fantástica a serpente
Faz doudas espirais!
Qual num sonho dantesco as sombras voam...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E rir-se Satanás!...

V

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar! Por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! Noite! Tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão...

Quem são estes desgraçados,
Que não encontram em vós,
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são?.... Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa musa,
Musa libérrima, audaz!

São os filhos do deserto
Onde a terra esposa a luz.
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados,
Que os tigres mosqueados Combatem na solidão...
Homens simples, fortes, bravos...
Hoje míseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razão...

São as mulheres sem razão
Como Agar o foi também,
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N’alma – lágrimas e fel.
Como Agar sofrendo tanto
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael...

Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram – crianças lindas,
Viveram – moças gentis...
Passa um dia a caravana
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus...
...Adeus! ó choça do monte!...
...Adeus! palmeiras das fontes!...
...Adeus! amores... adeus!...

Depois do areal extenso...
Depois o oceano de pó...
Depois do horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! Quanto infeliz que cede,
E cai p’ra não mais s’erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer...

Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d’amplidão...
Hoje... o porão negro, fundo
Infecto, apertado, imundo
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cum’lo de maldade
Nem são livre p’ra morrer...
Prende-os a mesma corrente
- Férrea, lúgubre serpenete –
Nas roscas da escravidão.
E assim roubados à morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoite... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se eu deliro.... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! Noite! Tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...

VI
E existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandira é esta,
Qu impudente na gávea tripudia?!...
Silêncio!... Musa! Chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto...

Auriverde pendão da minha terra,
Qua a brisa do Brasil beija e balança, Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança...
Tu, que da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...

Fataliadade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga,
Côo um íris no pélago profundo!...
... Mas é infâmia demais... De etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...
Andrada! Arranca este pendão dos ares!
Colombo! Fecha a porta de teus mares!

Castro Alves

Postado por Luís da Velosa

Candomblé-Culto dos Orixás pelo povo de santo da ilha de Itaparica - I



Vamos falar sobre as trilheiras do candomblé, o culto dos Orixás pelo povo de santo, na ilha de Itaparica, que se localiza à S. O. da Baía de Todos os Santos, com 36km de cumprimento, e na largura 21km. Não será uma manifestação da minha lavra, não será uma pesquisa minha – mesmo porque alguns impedimentos não me permitem saborear dos arquivos históricos -, mas foi e será, uma importante informação que nos deixou Ubaldo Osório, na sua imortalidade, no seu livro A ILHA DE ITAPARICA – HISTÓRIA E TRADIÇÃO, IV Edição (todas esgotadas), 1979, p. 317-328. Mas, seria de todo interessante que nós brasileiros conhecessem mais essa religião que tem por base a alma- anima - da Natureza (Wikipédia). Acho mesmo que deveria ser matéria de ensino escolar. O alunado tenho certeza, se encantaria.

“O negro, no parecer de Gilberto Freire, foi, na América Portuguesa, o maior e mais plástico colaborador do branco, na obra da colonização agrária.

Em Itaparica, fomos ajudados, poderosamente, pelos escravos africanos.

As canas do massapê [terra argilosa, própria para a cultura da cana-de-açucar]. de Vera-Cruz, do Papa-Peixe, da Boa Vista e das Marcês, foram plantadas e ceifadas por eles, que ainda as conduziam para a moenda dos engenhos.

Nas casas de farinha, se encarregavam de tudo. Derrubavam matas e capoeiras, faziam a queimada, revolviam as terras e plantavam as manivas [mandioca].

Depois da colheita, levavam a mandioca, para a serva do rodête e enxugavam, nos tipitis, a massa com a qual preparavam, no calor do fogo, em alguidares de barro. Os beijus e a farinha.

Até nas ferrarias e nas armações de pesca, os negros, trabalhavam.

Segundo observações de Richard Burton, não o de Liz Taylor, claro, [Richard Francis Burton, n. Torquay, Devon, Inglaterra, em 10.03.1821 – f. Triestre, Áustria-Hungria, 20 de outrobro de 1890, foi um escritos, tradutor, lingüista, diplomata, geógrafo, poeta antropólogo, explorador, espadachim, agente secreto e diplomata britânico. Leiam a sua biografia na Wikipédia; interessante] a raça, especialmente quando cruzada, era material inflamável.

Do cruzamento do negro, ficaram, na ilha, os crioulos fortes e as mulatas requebradas que, ainda hoje, prendem os brancos, com os seus feitiços. [Em Itaparica foram celebrados vários casamentos entre franceses, suíços, ingleses, suecos, e homens de outras nacionalidades com as mulatas, inclusive continuam as bodas, a que se refere o historiador].

Foram os negros, trazidos da costas d’África, nos meados do século XVII, pelo capitão de navios Pedro de Athayde, que introduziram, na ilha, o candomblé, com os seus Babalôs, seus Axôguns e as suas Iyálôrixás.

Yemanjá, segundo Edson Carneiro [Edison Carneiro, n. Salvador, em 12.08.1912; f. Rio de Janeiro, em 02.12.1972, foi escritor brasileiro, especializado em temas afro-brasileiros. Fez seus estudos em Salvador, até diplomar-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Bahia, em 1963. Suas obras:

Negros Bantos, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1937;
O Quilombo dos Palmares, Editora Brasiliense, São Paulo 1947, 1958;
Castro Alves, 1947, 1958;
Candomblés da Bahia, Editora Museu do Estado da Bahia, Salvador, 1948, 1954, 1961;
Antologia do Negro Brasileiro, Editora Globo, Porto Alelegre, 1950;
A Cidade do Salvador, 1954;
A Conquista da Amazônia, 1956;
A Sabedoria Popular, 1957;
Insurreição Praiana, 1960;
Religiões Negras, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1963.], é a mãe de todos os orixás e de tudo que existe na face da terra.

Seu promogênito foi Dadá, a quem Fernan Ortiz [El gran sabio cubano nace el 16 de julio de 1881 y muere el 10 de abril de 1969 en La Habana. En su larga y fructífera vida, que dedicó no solo a la etnología, sino que abarcó también las ramas de la sociología, lingüística, musicología, jurisprudencia y crítica, publicó más de cien títulos, entre los que podemos citar: Apuntes para un estudio criminal: Los negros brujos (1906); Los mambises italianos (1909); Entre cubanos (1914); Los negros esclavos (1916), Los cabildos afrocubanos (1921); Historia de la arqueología indocubana (1922); Glosario de afronegrismos (1924); Alejandro de Humboldt y Cuba (1930); Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar (1940); Martí y las razas (1942); Las cuatro culturas indias de Cuba (1943); El engaño de las razas (1946); El huracán, su mitología y sus símbolos (1947); Los bailes y el teatro de los negros en el folklore de Cuba (1951); Los instrumentos de la música afrocubana, cinco volúmenes (1952); e Historia de una pelea cubana contra los demonios (1959). Publicaciones póstumas de obras inéditas de Fernando Ortiz son: Hampa afro-cubana... Los negros curros (1986); La santería y la brujería de los blancos (2000); Culecció d’els mal-noms de Ciutadélla (2000) y Visiones sobre Lam (2002).

Fernando Ortiz también escribió un sinnúmero de artículos para diversas publicaciones periódicas y fue fundador y/o director de algunas de estas, como Revista Bimestre Cubana, reeditada de nuevo desde 1910; Revista de Administración Teórica y Práctica del Estado, la Provincia y el Municipio (1912); Archivos del Folklore (1924); Surco (1930) y Ultra (1936). Don Fernando también creó instituciones, como Sociedad del Folklore Cubano (1923); Institución Hispanocubana de Cultura (1926); Instituto Panamericano de Geografía (1928); Sociedad de Estudios Afrocubanos (1937); Institución Internacional de Estudios Afroamericanos (1943) e Instituto Cultural Cubano-Soviético (1945).

“Tan ancha y honda fue la tarea de Don Fernando”, escribió Juan Marinello, “que puede cargar, sin pandearse, con el título de Tercer Descubridor de Cuba...” - Wikipédia], considera o deus [Dadá] dos meninos recém-nascidos.

Apesar das transformações por quem tem passado o culto da poderosa Senhora das Águas, ainda, assim, a sua festa, é, todo o ano celebrada, em Amoreiras [D istrito de Itaparica, prazeroso lugarejo e de praia de águas mornas e esplendorosa vista da maior parte da Baía de Todos os Santos], no dia 2 de fevereiro.

Nesse dia, o seu presente, é levado, em saveiros e canoas, até a pedra da Mercára, onde ela aparece, envolta num lençol de espumas, segundo a crença dos seus veneradores [a crença vê!].
Há uma alegria louca entre os devotos da Encantada.

São centenas de homens e mulheres conduzindo adornos e perfumes para a velha divindade que preserva o pescador das surpresas do mar.

Terminada a cerimônia cantam, as filhas de santo, benzendo as águas:
Minha Sereia da praia
Quero contigo nada
Quero vê o teu Castelo
Princesa de Aioká

Depois da benção há o bordejo pela enseada, o batuque, o samba de roda e as louvações.

Uma verdadeira procissão de crentes invade o antigo Terreiro do velho Eduardo, na Ponta de Areia [praia principal de Amoreiras onde os banhistas se deliciam], onde, ao som do Batá-Cotó, continua a festa que se prolonga até o outro dia.

Eduardo, o Alibá da Ponta de Areia, teve sempre uma grande clientela entre a gente do mar.
Era filho de Manuel Antonio de Paula, o que pertenceu ao misterioso culto do Eguns, e conservou, até a morte, o título de Obá-xorô.

São Cosme e São Damião, os filhos de Theodáta, são festejados, também em várias povoações da ilha. Em Gameleira e na Barra do Gil, os festejos obedecem ainda, ao antigo ritual.

No dia dos Orixás dos gêmeos, é servido, às crianças numa esteira de palha da Costa, estendida no chão, o Amalá de Ibeiji.

Faz parte do Amalá, caruru, a banana frita, o ovo cozido, o bolo de arroz, a galinha de molho pardo e a farofa de azeite de dendê.

São interessantes as cantigas entoadas durante a comida de Dois-Dois:

E te dou de come – Dois-Dois
Eu te dou de bebê – Dois –Dois
Eu tenho papai
Que dá de come
Eu tenho mamãe
Que me dá de bebê
Quem me dá de come
Também come.
Quem me da de beber
Também bebe.

Os convidados de maior categoria sentam-se à mesa larga servidos pelas filhas de santo que ostentam, cada qual, as insígnias dos Orixás a que pertencem.

As filhas de Ogun trazem colar e braceletes de contas azul marino, as de Oxalá de contas brancas e as de Oxun as de contas amarelas.

Além do eram-paterê, encontram-se na mesa, em pratos e terrinas fumegantes, as especialidades da cozinha africana, condimentadas, fortemente com o iérê e as favas de bejerecum. Não faltam, ao banquete, os acarajés apimentados, o olubó, o vatapá, com bolas de arroz aussá, o aberém, o humulucu, o efó, a galinha de ori, com camarões, o caruru, o ofun-oquedê, o abu e o latipá.

Nada de bebidas alcoólicas. Só o aluá de milho fermentado com gengibre e rapadura, é permitido aos devotos, beber à vontade.

Em 1889, Branner, o afamado geólogo norte-americano, assistiu, na costa da ilha, “a festa de Dois-Dois”. Assistiu a festa e tomou parte, no banquete, com surpresa dos praieiros, que ainda não tinham visto um estrangeiro comer com tanta satisfação, a “comida dos santos”.

São consideradas “águas santas”, as águas das quartinhas de São Cosme e São Damião, cuja festa, nos terreiros da ilha, é celebrada no dia 27 de setembro.

Outra festa que se realiza, ainda hoje, em Vera Cruz, é a de Xangô. Começa na noite de São Pedro, com a fogueira de Airá, e termina, no dia de São Nicolau, com a procissão de Iamacé.

Luís da Velosa

CAPÍTULO II

Nos tempos de assistir reunião do velho Serafim, o famoso pai de Santo do Terreiro da Cancela teve oportunidade de assistir à reunião dos Babalaôs, para o culto do mais poderoso Orixá que se festeja na ilha.

É grande o movimento, dos Terreiros, nas festas de Xangô.

Dezenas de abians, depois do oborí, são levadas para a camarinha ou liaché, onde ficam assistidas, pela mãe pequena, até o dia da consagração.

Dar o nome é a primeira obrigação, das filhas de santo, ao saírem da camarinha.

É dado, à referida cerimônia, o nome de ôrunkô.

As filhas de santo, depois de feitas, permanecem, durante três meses, com o Kelê, ou “gravata do orixá”, ao pescoço.

Pertencem à mãe do Terreiro, em que foram iniciadas, e só voltam à casa dos parentes, após a cerimônia da compra.

Terminada a festa da consagração, a iyabás, apregoam e vendem, numa espécie de leilão, a que chamam “quitanda da iaô, doces e frutas, num tabuleiro protegido por figas de guiné.

Consta, ainda, do ritual a visita dos santos padroeiros e a benção aos devotos, benção que é paga segundo as posses de cada um.

Os balangandãs são símbolos do culto africano. Tem os seus significados e as suas preferências.
As devotas de Xangô usam carneirinhos de ouro ou de prata, nos braceletes de contas vermelhas e brancas, que são as cores de sua predileção. As devotas de Oxún preferem o cacho de uvas; as de Oxossi, a espada e a lua crescente; as Umulu, o carangueijo e as de Oxalá, o peixe e a cruz.

O mais importante Terreiro que tivemos na antiga Vila de Itaparica, foi o dos Eguns, instalado no Tun-Tun pelos dois irmãos, Marcos e José Theodoro, afamados propagadores do culto iorubano.
Hoje o Olegário Daniel de Paula, o Ogê Ladê, do Terreiro de Barro Branco, é o mais popular dos nossos babalaôs.

O famoso Pai de Santo exerce, no seu Terreiro, uma autoridade indiscutida.

Nos candomblés, segundo o ritual sagrado, é ele quem tira o ponto, enquanto as filhas dos orixás enchem o Terreiro, com os ritmos bárbaros das suas canções.

Nas matanças, preside os sacrifícios, oferecendo, aos deuses, o sangue dos animais sacrificados.

O Roxinho e o Terêncio são os zeladores da Casa.

Olorum é o deus protetor dos pescadores.

Vive, segundo a crença dos iorubas, no fundo do mar, cercado de espíritos.

Tem várias mulheres, inclusive Olosá, a mais querida de todas elas.

Yansã, a deusa iorubana das tempestades, segundo Câmara Cascudo, é uma das três mulheres de Xangô.

Gunocô, também chamado, pelos nagôs, Orixá-ô-cô, no dizer de Manoel Quirino, “da consultas, prevê males, e ordena a observação de preceitos contra o que está para acontecer”.
É interessante o cerimonial dos ioruba.

Se sucede morrer algum maioral da seita, decorridos sete dias, reúnem-se os irmãos, em torno do ixé, para as lamentações do cerrum.

Depois do sangelu, filhos e filhas da casa, ao ritmo dos ingombas, cantam o Axêxê-Axêxê-ô.

É o Cñtico da saudade. Em seguida há o despacho feito com as moeds que os devotos esfregam no corpo e depositam na ibá-xequerê colocada no centro da sala, pelo Babalaô.

Entre os ioruba, a festa dos mortos é celebrada no mês de junho de cada ano.

O ossé, ou a lavagem dos vasos sagrados, é feito pelas filhas do Terreiro em determinado dia, com água sagrada, apanhada em frente, antes do sol nascer.

Depois da Iyá-Kê-Kêrê, são as Dagãs as personagens mais graduadas do Terreiro. Dagã, Otún-Dagã e Ossi-Dagã. Há também as Iyamôrôs e as Oiês, escolhidas, pela Iyalôrixá, entre as mais entendidas nas cerimônias do culto.

Ebomins são as filhas de santo que têm mais de sete anos de feitas.

A Iya-tê-bê-xê, é incumbida de puxar os cânticos, enquanto a Iya-bassê se encarrega dos trabalhos da cosinha.

A comida de Oxum é o xinxim de galinha, a de Ogum, o guizado da carne de vaca; e a de Xangô, ó amalá de quiabos, camarões e azeite de dendê.

A festa em louvor de São João Batista, o Kelendê dos nagôs, era celebrada antigamente no dia 23 de junho, no Terreiro do Tun-Tun.

Feito o embê era preparada, a comida dos santos, e distribuída pela mã do Terreiro, que, após a distribuição, encerrava-se na camarinha.

Ao anoitecer, acesa a fogueira, em frente do Barracão, começavam as danças que se prolongavam até a meia noite, quando era levado o presente ao santo protetor, no encruzamento da Estrada Velha.

Na volta, banhavam-se as filhas de santo no Riacho das Sereias, “e entravam, madrugada alta, pelo Terreiro a dentro, cantando agô-ilê”.

A festa dos pratos de Nana, consagrada anualmente, a Nanã Burucu (Senhora Santana), é celebrada nos terreiros da ilha no último domingo de agosto.

Há nesse dia, a cerimônia da benção das frutas e outras oferendas levadas pelos devotos para o banquete da Rainha dos Orixás.

Dar comida aos santos é uma cerimônia assistida, sempre, pelos Babás e pelos Ogãs, que são os protetores do Terreiro.

Começa pelo Padê de Exu.

Formadas em torno do pagí-gã (o dono do altar, as filhas dos Orixás agitam-se, vertiginosamente, e cantam ao som dos atabaques:

Exu Barabô
Emojubá
Ebô coxé
Exu Barabô
Emojubá
Emode, ekô, ekô
Barabô
Emojubá
Lobara Exu Lonan
Depois do padê são feitas as saudações aos grandes orixás.
Ogún, ajo Mariô
Ogún ajo ê mariô
Xangô terê, mobá terê
Xangô terê, mobá terê
Xaurô lese, anran, anran
Aloire é uma divindade angolense que protege e guarda, os lares, contra as ciladas de Exu.
Cada Santo ou Orixá tem o seu dia.
Segunda-feira – Exu e Omolu
Terça-feira – Nanã e Oxumaré
Quarta-feira – Xangô e Yansã
Quinta-feira – Ogún e Oxossi
Sexta-feira – Oxalá
Sábado – Yemanjá e Oxún
Domingo – Todos os Orixás.
É o interessante e variada a identificação católica dos Orixás:
Yemanjá – Nossa Senhora da Conceição
Oxún – Nossa Senhora das Candeias
Oxalá – Senhor do Bonfim
Xangô – São Gerônimo
Ogún – Santo Antônio
Irôco – São Francisco de Assis
Omolu ou Umulu – São Lázaro.

O Senhor da Vera Cruz é o Grande Pai, o Babá Okê dos nossos Terreiros. É festejado no dia 14 de setembro. Suas devotas trajam-se de branco e as povoações praieiras, em seu louvor, amanhecem, todos os anos, no dia da sua festa, enfeitadas, profusamente, com bandeiras brancas.

A festa de Alê, era celebrada no Terreiro de Marcos Theodoro, no Tun-Tun, no dia de Ano Bom.
Angoroméia é a divindade ioruba, também festejada nos Terreiros da ilha. É identificada como Santa Isabel, a mãe de São João Batista. Os instrumentos usados, pelos negros, nas suas danças, são : os ílus, o amelê, o rum, o bata-cotô, o ágüe, o agogô, o adjá e o afofiê.

Luís da Velosa

CAPÍTULO III

A gameleira branca, o Iôko, é a árvore sagrada dos nagôs. À sua sombra, em certos dias, eram feitas as matanças e preparadas as oferendas destinadas às divindades da seita.

Na ilha a influência dos Gêges, foi quase nula. Abolido o cativeiro, conservaram-se eles na antiga Povoação da Ponta das Baleias, trabalhando, como tarefeiros, nas armações de pesca e nas destilarias de aguardentes. Eram, na sua maioria, tanoeiros e forjadores. Nos dias de preceito faziam os seus despachos e dançavam o candomblé no Terreiro do Mestre Evódio, velho adorador de Avrikiti divindade marinha, cuja devoção foi trazida das terras de Daomé. As principais figuras do terreiro do velho Evódio, eram: Tio Cassiano, Mestre Jorge, Tia Henriqueta, e Mestre Antônio Laê.

Os escravos Gêges foram introduzidos na Bahia, pelo mestiço Félix de Souza, brasileiro que residia em São João de Ajuda e obtivera o monopólio do tráfico de escravos em toda aquela região, graças a influência que exercia junto ao rei Gézo. O monarca africano, segundo o professor Artur Ramos, chegou a conferir a Feliz de Souza, o título de Chá-Chá de Ajuda.

Os Gêges adoravam a Dangbé, a serpente sagrada que figurava nos seus candomblés. Não era menos fervoroso o seu culto pelo Arco-Íris, ao que chamavam Obessém.
São profundos os mistérios do culto africano.

Maria Bibiana do Espírito Santo, a Mãe Senhora, foi Yiolorixá do mais famoso candomblé da Bahia: o Axê-Opô-Afonjá. Fundou na Ponta de Areia, no alto da Bela Vista, em Itaparica, a Ilê de Aboulá, freqüentada nas festas pelas figuras mais importantes do seu Terreiro. É zelador do Ilô da Bela Vista, Antônio Daniel de Paula, filho sucessor do velho Eduardo da Ponta da Areia. Sobre a morte de Mãe Senhora, a Yialorixá que reinou por muitos anos em São Gonçalo do Retiro, e foi consagrada, na Guanabara, em 13 de maio de 1965, a MÃE PRETA DO BRASIL. Há episódios surpreendentes narrados pela conhecida africanista Zora Seijan, numa correspondência que A TARDE publicou na sua edição de 3 de junho de 1967:

“Estávamos em Warri, nas margens do Rio Etíope, visitando o maior colégio secundário da Nigéria. Havíamos percorrido a cidade velha e deslizado pelo rio, em barca, passando ao largo de navios do mar e canoas rudes. Os deuses das águas, gente de Olokun, o terrível pai do oceano, moram em casinholas de sapé, nos alagadiços cobertos de vegetação.

É o Hussey Collegy um estabelecimento modelo. Estende-se por milhas, como povoado, com seus edifícios escolares e as casas dos professores. Um destes inspirou-se nas colunas “V” de Brasília.

Discutimos com os professores temas atuais de estética e filosofia. Vimos arte, ouvimos e fizemos conferências, constamos a harmonia entre a cultura e tradição, sob os auspícios de amor erudito. Gostei das cerâmicas e das danças itsekiris. Lembro-me de alguns bailados: o dos leques, e dos penachos e o do culto aos antepassados, no qual os bailarinos usam máscaras em forma de peixe, parecendo casquetes em cujas bordas, são pregadas até o chão fazendas de estampas fulgurantes.no braço esquerdo.

Passamos com a gente tranqüila daquela nação, passeios imponentes, de caminhar lento porque os homens usam camisas européias, casacas e saias de caudas longas que deslizam pelo chão ou se recolhem graciosas no braço esquerdo.

Quando visitamos Ogbemi Rewani, o diretor do Hussey Collegy, encontramos privando da sua douta intimidade um velho, muito velhinho, de olhos brilhantes e rosto vivo. Era um famoso Babalaô que só falava uma língua já morta, uma espécie de latim do culto de Ifá, dono da adivinhação. Poucos os que podiam conversar com ele, como pai Rewani, também Bablaô e idoso. A seu pedido, o velho de olhar brilhante jogou para nós as correntes do mestre dos segredos.
Tudo quanto disse está acontecendo, as coisas boas e as ruins. E a pior delas com que dor escrevo – foi a morte de minha querida amiga Senhora. Disse o Babalaô na língua dele que Senhora ia morrer. O pai de Rewani traduziu para a língua itsekiri e Rewani para o inglês. Nós comentamos em português: mentira! Andou nos idiomas do mundo o aviso medonho. Tratei de esquecê-lo. Disse para mim: tolice, ele se enganou, não pode ser, não quero que seja. E esqueci mesmo.
Quando voltamos ao Brasil, alguns meses depois, veio me ver uma amiga fraternal, Eulina de Xangô:

- Sabe, minha irmã, nossa mãe já recebeu o “aviso”.

Aviso? – Sim, o aviso de passagem”. - O que é isto, insistiu minha patetice. – Vamos perdê-la. Não é para já, mas ela já está se despedindo.

Eulina é filha de santo de Senhora, das mais antigas e fiéis. Além da linha do candomblé circula entre caboclos e pretos velhos.

Fiquei arrepiada, o Babalaô dos olhos de fogo e agora Eulina.

- Como é que você sabe disto, criatura?

- Foi minha velha que contou.

Respirei aliviada. Era coisa de macumba, não vinha da Bahia, oficialmente de “Axé-Opô-Afonjá” o candomblé de São Gonçalo do Retiro, onde Senhora reinava. Calei minha boca, nada contei do Babalaô e telegrafei para Salvador pedindo notícias. Senhora não estava passando bem. Vinha sentindo-se indisposta há algum tempo. Então escrevi para Pierre Verger, o antropólogo francês que passa seis meses na África e seis no Brasil e entende da seita dos candomblés mais do que estes pai-de-santos jovens e novidadeiros que não conhecem os segredos profunfos dos orixás. Não falei de Elina nem de Warri, só da doença – que segundo resposta de Xangô para Senhora, “era doença de médico, não era de feitiço”. Verger veio de Osogbo, a cidade de Oxum, e trouxe uma coisa para Senhora colocar sobre a língua. Feito isto, pouco depois, Senhora ria e lidava, bm disposta e cheia de entusiasmo, passando descompostura nos relaxados e desatentos. Estivemos nesta época na Bahia e ela queixou-se:

- Imagine, Zora, que Eulina teve a ousadia de me pedir para tirar minha mão da cabeça dela, já ouviu?

- Vai ver ela teve medo de ficar doente no Rio e não poder vir mais aqui, ela anda meio caída. Senhora não se deu ao trabalho de responder. Continuou picando quiabo, como fazia todas as quartas-feiras para amalá de Xangô – Kabieci!

- Tirar minha mão da cabeça dela... como se estivesse para morrer. Quando chegar a minha hora vou com as graças de Deus. Sou muito contra essas Yialorixás que doentes deixam uma filha morrer no lugar delas. Nós temos de obedecer a lei de Deus. Aprendi assim com minha mãe Aninha e conservo a mesma direção deixada por ela.

A propósito, Senhora cantou algumas cantigas na língua ioruba, zombando do aviso que Eulina tentara dar-lhe.

No dia 22 de janeiro último, recebemos, em Nova Iorque, uma carta de Jorge Amado: “Tenho de dar uma notícia terrível para vocês, mas que remédio, é preciso contar que Senhora morreu...” Vieram depois outras com recortes do enterro e do que se falou dla em jornais e revistas.

Reunimos os amigos de Senhora e mandamos celebrar missa na capela das Nações Unidas. Um mês depois, outra missa em Paris, na Igreja de Saint Germain des Prés. Senhora deixou amigos na França, na América, na Inglaterra e em tantos outros países.

A terra caindo. Assim guardo pedaço de vida, seu riso alegre, seu corpo enorme dançando tão leve, cantando com Foi bom ter estado longe e não ter visto Senhora morta. Senhora sendo enterrada. O axexê de Senhora voz dengosa e meneios faceiros”.

Coligimos de uns apontamentos divulgados por Deoscóredes dos Santos, o Assobá do Axé-Apô-Afonja, que Maria Bibiana do Espírito Santo, a Mãe Senhora, “foi condecorada, em 1966, pelo Governo Senegalês, com a medalha de Cavaleiro da Ordem do Mérito, pela preservação da cultura e tradição africanas no Brasil”.

Quando esteve em Itaparica, aos 25 anos de idade, freqüentou, no Tun-Tun, o Terreiro do Eguns, dirigido por Marcos Theodoro Pimentel, conquistando, no mesmo Terreiro, o título de Yá Egbé Aboulá.

Com a morte de Marcos, passou a freqüentar o Terreiro de Alibá, Eduardo Daniel de Paula, conservando o título que havia conquistado.

Nas proximidades da morte de Mãe Senhora, Deóscoredes esteve no Reino Kêtu, na África, fazendo pesquisas sobre a família da famosa Yialorixá, iniciada, no culto dos seus ancestrais, com o nome de Oxum Muiwá”.

Agora entendo que deve haver uma pessoa graduada, culta e íntegra, que comprometa a sua destinação com as grandes missões, oriunda dos Terreiros, que fiscalize a continuidade dessas comemorações religiosas em todo o Brasil. Essa pessoa não pode ser prosélita nem receber nenhum título de governos. Só dos seus templos, se reconhecido for. Não se pode esquecer, como aconteceu com outras religiões, serem relegadas as celebrações, e sim, mantendo a nossa cultura e os nossos sentimentos espirituais. Nada pode ser esquecido, principalmente, por nós, o que nos chegou da Mãe África, nosso berço encantado, amado e verdadeiramente de onde todos brotamos.

Postado por Luís da Velosa

Referência:

Osório.Ubaldo. Ilha de Itaparica. História e Tradição. IV Edição, 1979, p.317-328. Fundação Cultural do Estado da Bahia.

ODISSÉIA NO INTERIOR DA MENTE

O Capítulo 01, foi publicado abaixo e logo estará no espaço correto.



Capítulo 02

O sentido do escapismo

Alguém poderia, agora, estar pensando: se as informações são desnecessárias, por que então estamos sendo informados para abandoná-las? Estas são informações técnicas, objetivas, responderia o informante, lembrando o que dissera anteriormente: o conhecimento técnico são necessários à sobrevivência orgânica, e que a preservação da psique só pode ser conquistada pela ausência da interferência do pensamento nas questões subjetivas. Suponhamos que o nosso planeta em breve não ofereça mais condições à sobrevivência da raça humana, e a ciência tendo descoberto a existência de outro planeta que ofereça as condições propícias à sua perpetuação, necessite de uma nave para transportá-la tão somente até o seu objetivo. Feita a transição esta nave não terá mais serventia, salvo para os neuróticos saudosistas que queiram voltar ao cataclismo terráqueo.

Quando as informações dadas para se abandonar os conhecimentos condicionados, que se têm armazenados na memória inata e as que foram adquiridas por experiências próprias, por fim forem abandonadas e se tenha conseguido uma vivência autoperceptiva, então, tudo o que nos forem apresentado pela imprensa, escrita ou falada, não mais será registrada pela memória. Não há como se registrar algo que já se compreenda ser inútil, e assim, apesar de se compreenderem todas as mensagens, a memória não as terá para repeti-las. Pela nova dimensão de consciência, o homem através dos seus cinco sentidos, compreenderá todas as experiências e as responderá com plena exatidão e coerência.

Os orientadores tornam-se respeitáveis e venerados pelos seguidores, criando-se uma divisão entre os que sabem e os que aprendem - superiores e subalternos - ensejando condições degenerativas. A subserviência à autoridade motiva a hierarquia, e o conhecimento torna-se o fundamento para as soluções que nunca vêm. Quando as pessoas entenderem o significado do respeito mútuo, e dos valores morais que deverão prevalecer no relacionamento humano todo o sentido diferencial será extinto. Quem não desrespeita, não precisa respeitar alguém.

As inverdades através das repetições escritas e verbais, por séculos sucessivos, consagram-se verdadeiras, e o condicionamento mental torna-se enraigado, com tanta profundidade, que qualquer tentativa em arrancá-lo, causa imensa celeuma física e mental, como a serpente lutando para preservar o seu veneno. Convicções religiosas, ideológicas e pessoais são condicionamentos catastróficos, causadores de tantas desgraças no mundo, como as guerras e as discriminações preconceituosas. Esta situação é tão desoladora que fazem com que as pessoas não a queiram ver; estão inconscientes na defensiva, potencialmente dispostas a descarregar toda sua ira, em quem por ventura pretenda mostrar-lhes a urgência de acordarem de tal pesadelo. Acordadas porém, do sono psíquico, poderão ver que problemas não devem ser destruídos, mas compreendidos. Nessa compreensão, ver-se-á a impotência deles em causar qualquer dano. Podendo conviver com os problemas pessoalmente já existentes, veremos como as pessoas confusas não podem mais nos neurotizar, tanto quanto em outras situações. No enfrentamento tranqüilo da desarmonia intrínseca e extrínseca, perceber-se-á como em verdade evento algum pode conduzir ao desespero, mas haverá o equilíbrio emocional pleno, se efetivamente tivermos nos capacitado a convivência com ele. Como chegar a este estado de enfrentamento dos fatos? Procurando entender com a mente tranqüila isto que foi escrito, sentindo com profundidade o impacto destas declarações, por certo despertar-se-á a energia necessária para tal. Se amamos realmente uma coisa, a própria energia do amor exterminará as condições adversas e impedirá a intervenção do intelecto ou pensamento, que impede a percepção do fato, tal como ele o é na realidade.

É praticamente impossível às pessoas descrentes tornarem-se deprimidas, isto porque não tendo posições falsas a defenderem, a mente fica imune de conflitos. Sendo a personalidade uma conseqüência da cultura, da tradição e da própria experiência, obviamente para se proteger lutará contra tudo e contra todos que tentem lhe arrancar uma das partes de sua formação; mas como no íntimo, esporadicamente lhe vem o vislumbre e a desconfiança de que as crenças são um absurdo, e que na verdade nada lhe têm acrescentado de útil, é acometida de decepção por si própria. Começando a perceber a sua fraqueza, e tendo horror de encarar de frente esta realidade, inventa uma série de evasivas: justificativas, sublimações, tentações satânicas etc. Mas a desconfiança persiste no âmago, a teimosia também persiste em não abandonar o engodo, pois a personalidade que também é falsa teme destruir-se, e a depressão é implantada - já que as informações falsas contidas na memória é a personalidade carente de realidade para ser feliz, luta desesperadamente para superar os seus conflitos.

Vezes por outra, alguém no sofrimento tirano “permite” que a dor o “mate”, e então, como em um passe de mágica, a personalidade falsa morre, ocorrendo o renascer de uma nova mente, uma nova personalidade, saudável e imorredoura. Esta realização, no entanto, é algo praticamente utópica nas condições em que se encontra a mente, pois o seu envolvimento com o pensamento é tão antigo e profundo que se nega terminantemente a sequer entender o problema, por mais simples lhe seja sugerido mesmo por alguém confiável, que se tenha como possuidora de grande equilíbrio emocional e reconhecidamente idônea. Observe-se como o hábito, ou acostumar-se a alguma coisa, cria na mente uma imposição de domínio, de profunda escravidão, um autêntico estado hipnótico. De tal forma é o apego as suas desgraças, que temem aquilo que fala gostar de possuir - a felicidade tão decantada pela própria consciência. Todos gostariam de abandonar os seus vícios, de fumar, beber e etc., mas não há como livrar-se de um, sem que se contraia outro substitutivo. Chega-se a idolatrar seu ódio e violência, por se ter a ilusão de serem os promotores de força moral e atos heróicos, sem a mínima previsão de se estar marchando para a penitenciária, depressão, suicídio ou manicômio. A mente é mestra em enganar a si mesma, fingindo até mesmo de que não é capaz de fazê-lo. Não quer se livrar do condicionamento por sentir-se falsamente protegida por ele, como o animal peçonhento, que não abandonaria o seu veneno.

A verdade só poderá apresentar-se àqueles que realmente estiverem interessados nela, e não naqueles buscadores de conformação, de consolo, de recompensas ou escapar às punições impostas pelo condicionamento.

Quando se percebe que algo não tem valor, tal como moedas falsas, não o utilizamos mais; assim deverá ocorrer com os conhecimentos psicológicos, quando efetivamente percebidos como nulidades.

Religião é a capacidade que alguém tenha adquirido em comportar-se condignamente no ambiente em que vive, respeitando as pessoas os animais e a natureza; não criando problema algum, vivendo com mansidão, ao invés de fazer movimentos de paz ou da não-violência, pois, isto apenas demonstra o desejo que se tem de não ser molestado ou violentado e nenhuma capacidade para eliminar sua própria violência e auto-interesse. Se percebermos a nossa hipocrisia, por certo deixaremos de fazer tanto circo a respeito de como se comportam as outras pessoas, e assumiremos o fato de que precisamos mudar, melhorarmos a nós mesmos. Assim, o mundo será melhorado pela ação do próprio exemplo de dignidade e decência, afastando definitivamente a ilusão de ensinar aquilo que não possuímos em nós mesmos. “Dizer é fácil; fazer é que são elas”.

Efetivamente, só deixaremos de escapar ao que é quando a verdade se nos apresentar – vermos que a compreensão imediata de todos os desafios emergentes a cada instante, é de fato a verdade, pois evita a incompreensão e o medo. Perceber “o que é” – uma corda, por exemplo, ao invés de uma suposta serpente, evita que o conflito faça morada no campo mental, preservando-lhe a serenidade. Ao compreender uma coisa, tem-se a sua verdade e a ação daí originada está imune de deformações. Neste estado em que a mente percebe não mais ter necessidade de lutar por coisa alguma, permanece apenas no estado de receptividade – atenta aos movimentos do pensar, sentir e agir. O que realmente for necessário à sobrevivência, como um todo, é-lhe oferecido espontaneamente.

Capítulo 03

Somos um só espírito

As pessoas potencialmente têm a mesma personalidade; são idênticas no pensar, no sentir e no reagir; a diferença parece acontecer tão somente em atitudes oriundas do poder aquisitivo, social e cultural; mas, no aspecto da agressividade, maledicência, perfídia, hipocrisia, não se percebem diferenças; são como as sementes de uma mesma fruta que têm em si codificadas, como nos genes humanos, todas as informações para produzirem as árvores e frutos da mesma espécie. Os princípios cósmicos vivem em cada um de nós. Quando alguém cai e morre, continuam em nós outros, como a luz ao apagar-se outras lâmpadas e outros sóis, continuam a brilhar.
É interessante abandonarem-se todas as influências, tanto as adquiridas em experiências próprias quanto as que constantemente estão nos sondando, quer pela imprensa escrita e falada ou simplesmente em conversas amistosas. Não se deve crer em coisa alguma, mas, estar atento com todos os sentidos em alerta, afim de que efetivamente, se descubra o que de fato funciona ou não. Com esta seriedade perante a vida, por terem percebido que os nossos orientadores estão tão perdidos quanto nós mesmos, marcharemos para o desdobramento de nossas potencialidades mentais, colaborando de forma consistente e duradoura para uma sociedade saudável, digna de autênticos seres humanos. Esta seriedade de enfrentamento aos fatos cotidianos, deverá ser de tal responsabilidade, que o indivíduo descobrirá a liberdade quanto as suas próprias influências, isto é, perderá a presunção de auto-suficiência e mania de persuadir a quem quer que seja - será um eterno aprendiz do livro da vida; não será guia nem seguidor de ninguém. São nas páginas do livro da vida, nos acontecimentos do cotidiano que estão impressas as verdades eternas, e, portanto, dignas de serem apreendidas e, isto ocorrerá, se realmente estivermos interessados em todos os seus momentos.

É interessante livrar-se de todas as influências, principalmente as nossas próprias que consideramos importantes, por terem sido baseadas em nossas experiências sobre os fatos observados, mas normalmente contaminados pelos pensamentos. “Experienciar” e o “estado de experimentar”, são absolutamente diferentes. No “estado de experimentar”, os pensamentos estão omissos; a percepção é que está atuando, o que faz com que os fatos sejam revelados segundo sua autêntica natureza.

Não podemos deixar que a realidade dos fatos, correspondente a nossa situação de agora, estando a nos deixar medrosos, ansiosos, impacientes e agressivos, prossiga naturalmente a nos degradar moral e fisicamente. Renunciando alegremente ao passado e ao futuro e, com vigor, permitindo que os acontecimentos surjam, passem e terminem sobre nossa vigilância passiva, sem reclamações e sem desejar livrar-se deles; ver-se-á a capacidade mágica, de como a consciência alerta transforma-os em condições razoáveis e impossíveis de criarem qualquer seqüela ou resíduo conflitante. Sendo cada um de nós responsável por toda degeneração da raça humana, pois como a semente da fruta, possuímos codificadas nas células cerebrais todas as condições que levaram a sociedade ao nível catastrófico em que se encontra; e, como sagazmente procuramos os culpados, para ficarmos como inocentes, por temermos descobrir que nada temos a ver com a auto-imagem magnânima forjada por cada um de nós, ficamos impossibilitados de resolver esta complexa questão. Somente quando o homem tiver o mínimo de dignidade, poderá sentir com profunda compreensão a sua responsabilidade, partindo daí para uma ação capaz de transformar-se radicalmente, dando então sua efetiva colaboração pelos exemplos de honradez e justiça - assim como só uma pessoa saudável pode cuidar de outras pessoas em estado doentio. Obviamente uma condição mórbida só poderia contaminar, em vez de curar. Somente quem não tenha força moral para cuidar-se, propõe-se a cuidar de outrem. Quando se alcançou o senso de autêntica moralidade, então esta pessoa tem a percepção para tornar-se um ente humano autêntico, capacitando-se pelo novo vigor, a promover a cura social. Quando efetivamente respeitamos as pessoas não precisamos fazer nada por elas. Se não as roubássemos em seus direitos em tudo que a terra produz, não haveria a necessidade de alguém erguer a mão para dar ou receber, como esmolas, coisa alguma. A mãe-terra que as gerou tem em si a capacidade e obrigação de criá-las e alimentá-las, fartamente com dignidade e amor. Para que a humanidade alcance tal nível de percepção, terá que surgir espontaneamente em sua consciência o fulgor da visão intuitiva - o despertar psíquico. E isto ocorrerá pela atenção consciente à toda problemática que de forma contínua está ocorrendo dentro de cada um de nós, a todo instante.
O sentimento de culpa leva-nos à penitência, e a um mecanismo perfeito para o envolvimento com as pessoas, tirando “uma” de guarda do irmão. Isto é sem dúvida, o reflexo de seu pequenino ego. Enquanto desejarmos alguma coisa para nós mesmos, nunca teremos nada para oferecer a alguém. Mas os espertalhões fecharam os olhos a isso e, aproveitando-se da grande maioria dos incautos e medrosos, transformaram suas prédicas religiosas em um dos mais rentáveis negócios, justamente agora, quando o povo está em crise econômica e psicológica, profundamente carentes de uma autêntica espiritualidade que os pregadores não têm sequer para si mesmos. São pessoas “de princípios”, por isso desonestas por não agirem por si próprias, mas segundo a disciplina daqueles princípios.

A autêntica moral nos proporciona um vigor intenso - justamente por ter tido a coragem de abandonar toda influência - impelindo-nos à pesquisa e ao descobrimento dos fatos morais por si mesmos. Esta é que é a condição altaneira que a mente alcançou: o estado de liberdade tão decantado em versos e em prosas, mas tão desgraçadamente incompreendido. Em se percebendo esta verdade o homem nada mais precisa fazer; a total transformação da mente ocorrerá de forma automática e instantânea, numa prova inconteste de que a compreensão acontece de forma atemporal; e com o sentir profundo dos fatos, sem medo e sem motivos de mudança - isto é, sem querer alterar os fatos, mas tão somente senti-los até que se revelem por si mesmos, tais como o são em suas próprias naturezas.

Se já estivermos conscientes de que, como pessoas humanas, somos idênticos, como um gato ou um cão, um tigre ou qualquer outro animal são exatamente, em qualquer parte do mundo, absolutamente semelhantes - diferindo-se apenas por suas características regionais e “raças” - compreenderemos lucidamente que nossos sentimentos nos trarão a compreensão de que todas as circunstâncias apresentadas são exatamente as mesmas. Com esta conclusão não precisaremos mais andar em busca de informações alheias, pois já descobrimos que podemos obtê-las genuinamente por nós mesmos e com a convicção de que são autênticas - por terem sido constatadas pessoalmente pela atenção consciente e silenciosa às crises apresentadas.
Capítulo 04

A falácia dos “Eus”

Em estudos psicológicos sobre os fenômenos mentais falam-se da existência dos “Eus”, superior e inferior. O “Eu” superior seria por certo a entidade imorredoura, permanente, sapientíssima - a alma. O “Eu” inferior seria a auto-imagem, o ego, a imagem fictícia, durável até o momento em que o ser humano se apercebesse de sua falsidade, despertando o “Eu” superior; que seria o seu renascimento, sua glória para a vida eterna. Compreendendo-se, no entanto, que estas entidades são projeções do pensamento - reacionário às ânsias, ao medo e às esperanças, contidas na memória desaparecem como tudo aquilo que se tenha percebido ser ilusão.

Convém que se saiba realmente o que são os símbolos denominados - Eu superior e Eu inferior - O “Eu” superior simboliza o estado em que a mente estando livre do condicionamento age sempre corretamente, por estar sob o comando da visão intuitiva. O “Eu” inferior é o estado em que a memória age compulsoriamente, segundo as informações e experiências adquiridas durante a vida aqui na terra - e as congênitas transmitidas pela nossa ancestralidade. É a compulsão (força do hábito) a causa da tragédia humana. Com a autocompreensão, surgida após se ter libertado a mente dos conhecimentos obtidos de outrem e das próprias experiências - estas influências impedem as pesquisas através da atenção plena aos acontecimentos, no auge dos mesmos, quer de natureza íntima ou externa - todos os segredos do campo mental vêm à luz, regenerando o cérebro, pois, estando vazio dos conhecimentos psicológicos, a intuição assume o seu comando.

Admito a regeneração das células cerebrais, porque tendo elas os registros, experiências e conhecimentos, que têm induzido aos fatos cotidianos, quando é percebido o desastre e sofrimento causado por estas ações e reações, de imediato deixam de dar continuidade a este procedimento, passando então a agirem de forma diferente. E para que esta mudança tenha ocorrido, necessário se fez uma regeneração celular.

É o surgimento do verdadeiro ser humano que um dia haverá de povoar a Terra, onde a nova sociedade, absolutamente sadia, trabalhará com um único objetivo: manter o mesmo nível de vida para todos, através de uma política de absoluta igualdade, onde a colaboração generalizada, será o fato digno de uma autêntica civilização, consciente de que todos somos um, e que todos têm direito a condições e posses exatamente iguais; somente assim haverá harmonia plena, uma só família.

A compreensão profunda de que não se pode resolver problemas psicológicos de hoje com idéias e experiências adquiridas de outros ou próprias - por que o passado nada tem a ver com o agora, ou seja, a memória nada tem de comum com a dinâmica do presente -liberta a mente deste mecanismo gerador de problemas e, em vez de procurar soluções, detém-se tranquilamente diante do fato, sentindo-o profundamente sem nenhuma reação. É necessário que se observe o surgir e o findar do pensamento ou sentimento, para se ter a sua compreensão plena.
Atentemos bem para este aspecto que nos parece de primordial importância: na vida não existe realmente um único problema causado por qualquer forma experiencial; mas, a perturbação mental é nos imposta, exclusivamente, pela reação contumaz, ao desafio que se nos apresenta, e não pelo fato em si. A reação tradicional em se livrar do problema doloroso é procurar uma solução, em vez de conviver com o mesmo, afim de compreendê-lo. É justamente nesta busca de solução que se perpetua a permanência do conflito. É urgente que o compreendamos, pois, assim descobriremos que os conflitos não têm solução e, sim, dissolução. Quando os pensamentos cessam, os conflitos apagam-se da mente, tal como o fogo, ao retirar-se o oxigênio do ambiente onde ocorre o sinistro.

Se finalmente tivermos a coragem de ver que vivemos uma vida miserável, que a chamada civilização é um terrível engodo, um “túmulo caiado”, que as filosofias, psicologias, teologias e todos os escritos para melhorar esta desgraçada raça humana, em nada a melhorou em seu caráter moral, nunca mais, em tempo algum, utilizaremos a memória ou o pensamento para interferir em questões psíquicas. Se deixarmos de pensar e sentirmos plenamente o estado depressivo, nesse enfrentamento, seremos felizes. Urge, então, que tentemos isso; afinal, que há de se perder se experimentarmos a falsidade ou a realidade dessa questão? Se tentarmos nos compreender, o conseguiremos; e, assim, nunca mais lamentaremos a vida, não temeremos a morte. A compreensão guiará nossos passos, acabando com o sofrimento e trazendo-nos a paz tão sonhada.

Se o homem quer deixar um hábito qualquer como fumar, beber ou roubar, entrará imediatamente em conflito, pela contradição do presente momento de ter o vício e o momento posterior que seria o de não ter o vício. O conflito está implantado ao se tentar resolver um fato com teorias. A teoria é o não-fato, e como tal, nada tem a ver com o fato que é a questão do vício a ser eliminado. Somente a sua compreensão, ao ser percebido pela atenção consciente, poderá erradicá-lo. Tudo que é compreendido deixará de ser problema - A impercepção do que está ocorrendo é que causa conflito; ao se perceber o que está acontecendo, a existência da compulsão desaparece.

Um vício, ou qualquer situação irracional, para serem exterminados, não podem sofrer resistência alguma; mas que o homem permaneça perceptivo ao seu constrangimento e inconveniências que provocam, antes e depois de satisfazê-los. Sendo o vício uma parte daquilo que somos, como os chamados defeitos e virtudes, é necessário que os conheçamos adequadamente, afim de que cônscios de suas propriedades, a percepção assuma o comando sobre o “eu”.

A mente utiliza os vícios como um mecanismo de compensação, com o objetivo de fugir a dor íntima, em cada um de nós, para encontrar alívio e prazer. Toda vez que a mente se vir compelida a abandonar aquilo a que está acostumada - condicionada - automaticamente começa a registrá-lo novamente, fortalecendo-o cada vez mais, escravizando-se e deprimindo-se. Entendido isto, a mente continuará à prática de seus vícios tranquilamente, observando-os, em vez de reagir ou fugir para outros. Se, efetivamente, a observação for profunda, ocorrerá o “eureka” que extirpará todos eles.

A análise é importante para que o homem faça um apanhado da sua situação. Ao perceber onde se encontra o perigo ameaçador, o homem pára e reflete, evitando naturalmente o desastre. Mas se quiser eliminar com segurança o conflito, não poderá contar com os conhecimentos, e sim com a atenção plena. Isto porquê o tomar-se conhecimento do que aconteceu, ou acontecerá, não tem funcionado eficazmente - temos deixado de viver o que “acontece” e ficamos perdidos a olhar para o passado e o futuro. Sabemos as causas e conseqüências dos vícios: drogas, alcoolismo, tabagismo, orgias, jogos e etc. No entanto nunca foram sanados pelo intelecto. O intelecto deve ser usado para comunicação, e na apreciação dos fatos. É perda de tempo utilizá-lo como solução nas questões sentimentais. Minimizar a compulsão é diferente de eliminá-la. Quanto mais o homem investiga dentro de si mesmo analiticamente, mais permanece sendo o que é, pois o revolver o passado, que é a memória repleta de frases feitas e soluções fabricadas implica na consolidação do ego. Então, convém eliminar-se esta prática, pois somente a investigação silenciosa (observação imparcial dos movimentos mentais) pode contribuir com o término do condicionamento, de forma radical.

Para o despertar da mente faz-se necessário estar, intencionalmente, atento a tudo que acontece objetiva e subjetivamente, para que se compreenda de imediato o que está ocorrendo. É interessante, para que se tenha radicalização definitiva dos problemas que nos afligem, como seres humanos, perceber que a análise dos acontecimentos só tem importância para orientar a situação em que nos encontramos e, então, em um estado mais tranqüilo, assistir conscientemente ao filme de terror que a mente está exibindo. E ao assisti-lo, corajosamente, veremos que este filme é um blefe, tal como os da televisão e do cinema, que nunca causam danos às suas telas.

Quando o pensamento silencia diante de qualquer fato ou experiência, constantes em nossa vida cotidiana, eles são compreendidos naturalmente e isentos de conflitos. Isto porque, não sofrendo avaliação alguma pela intromissão da memória, os acontecimentos surgem e terminam deixando suas mensagens corretas, extirpadas de forma direta, sem necessidade de qualquer raciocínio, ou informações adquiridas de segunda mão, ou seja, conhecimentos acumulados provenientes de outras pessoas, através da imprensa falada e escrita. Nossa percepção do mundo interior e exterior vem da convivência de outros eventos, codificados nas células cerebrais, desde o surgimento do primeiro animal, que por certo, deu origem ao homem. A esse processo intuitivo, proveniente de percepções registradas nos neurônios das profundezas do cérebro, costumo referir-me a elas como provenientes do “vazio da mente”. Chamo assim, por ter percebido, nas minhas memórias silenciosas, que elas parecem surgir “do nada”; do profundo vazio da mente, onde a tranqüilidade e ausência do eu, é algo imensurável e indizível. Adiante falaremos sobre as células especiais, cuja sabedoria cósmica é despertada, aflorando à consciência pelo silêncio do cérebro.

Como tenho enfatizado, em repetições várias, cumpre que se observe profundamente todo o movimento reacionário do pensamento ao invés de se buscar informações de outrem para resolverem os conflitos. Não têm funcionado, e as pessoas teimam em tentar, sem nunca pararem para sentir, que a realidade de suas pretensões não tem obtido êxitos e, portanto necessário se faz abandoná-las definitivamente.

Se tiverem a ousadia de observar como as traquinices de uma criança o perturba; como as pessoas nos transportes coletivos, ou outros lugares de aglomeração social, estão sempre se comportando de formas irracionais e, vivenciarmos todas estas manifestações pungentes, aceitando-as, como sendo um “holocausto psíquico”, o nosso crescimento, como pessoa, será magnânimo. Todo o autoconhecimento nascerá desta posição, perante os fatos constrangedores que se nos apresentam ininterruptamente, desde o nascimento até a morte.

Sem autoconhecimento o homem não significa coisa alguma, além de um animal vivente, hipócrita e covarde. Somente libertar-se-á o homem da sua irracionalidade, quando, efetivamente, despertar para a autopercepção criadora.

Autoconhecimento não significa ter conhecimentos sobre si mesmo; mas descobrir os conhecimentos por si mesmo, que já se encontram inseridos nas células cerebrais, desde quando o universo os codificou, extraindo-os dos seus próprios princípios eternos e imutáveis. Há uma sabedoria que faz morada em algumas células cuja existência eterna, é inerente à natureza destas células, e despertada pela observação silenciosa. A compreensão das informações obtidas através dos sensórios, vem à nossa consciência pelo estímulo das experiências que se nos apresentam a cada instante, o que nos faz lembrar ou abortar os códigos secretos existentes em células nervosas especiais, desde quando se formaram para a composição do organismo animal. Sendo a consciência uma só, mais que, no entanto, o desenvolvimento das habilidades em cada animal depende das inúmeras experiências vividas por cada um deles.

O universo através das suas leis ou princípios criou tudo que existe. Sendo indescritíveis e incontáveis, eles se apresentam dando vida e significação a todas as criaturas.

A “vida” é eterna e sempre esteve recriando os universos, através dos seus princípios. Na verdade nunca houve o primeiro Fiat Lux. A matéria universal é coexistente com seus princípios eternos. Galáxias contraem-se e expandem-se a todo instante em suas mortes e nascimentos.

Quando é dito que a compulsão termina em se compreendendo o condicionamento, as pessoas mostram-se estupidamente incrédulas, pois sentem que já compreenderam tantas situações críticas e não obtiveram os resultados propalados pela auto¬observação. O que elas não compreenderam, no entanto, é que para se alcançar a capacidade da auto-observação, tem que se ter uma preparação decidida à transformação radical da mente, e isto carece de uma atitude advinda do despertar psíquico, que é o fator preponderante para o surgir de um vislumbre intuitivo; como por exemplo, uma nova literatura que lhe venha às mãos e, assim, talvez se sentindo fascinados por ela, dedicarem-se de corpo e alma, afim de compreendê-la, estudando-a profundamente, até perceberem sua viabilidade. Com este estudo virá o autoconhecimento, que será o instrumento propulsor da transformação. Várias situações conduzem ao autoconhecimento, mas têm que vir através da percepção silenciosa, da suprema arte de ver, sentir e ouvir.

Estando todos os princípios cósmicos codificados nas células especiais, significa que o cérebro humano é pleno de todos os “conhecimentos” que a humanidade possui como teorias estabelecidas pelos descobrimentos ou pelo despertar daqueles princípios. Quando descobertos e teorizados, transformam-se em conhecimentos objetivos que são registrados nas células nervosas comuns, constituindo-se no intelecto, cuja atividade é imprescindível à vivência física.

Todo o conhecimento que o homem possui ou possuirá será apenas interpretações dos princípios eternos. Os princípios da física, da química, da matemática, da música, dos computadores, dos rádios, da televisão, das artes, tecnologias e ciências são princípios eternos e imutáveis em qualquer dimensão do universo.

Capítulo 05

Os princípios cósmicos

Quando alguém se refere à inexistência da vida pessoal, após a morte, é visto de imediato como “materialista” com todas as “cargas” que se atribui a esta palavra. O preconceito, próprio de uma mente obtusa, além de ser autodestrutivo é potencialmente carregado de poderes perniciosos à sociedade, como tem demonstrado a história milenar.

Os preconceitos são argumentos dos insensatos, que temendo inconscientemente a realidade drástica da sua própria vida, e não tendo capacidade moral de enfrentarem a situação, a qual por certo, iria lhes tirar o privilégio social, utilizam-se deles como meio de escape. Quanto mais se foge, mais o medo e o crescimento do conflito tornam-se maiores.

Quando os preconceitos são finalmente enfrentados, a mente livre poderá, então, ver os céticos como os verdadeiros crentes das verdades factuais que se experimentam, e dos princípios cósmicos, razão de tudo e de todos.

Espíritos não são entidades individuais, porém, “princípios” que agem em cada espécie diferente de animais, vegetais e minerais. Um gato, um homem ou outro animal qualquer têm sempre as mesmas características de condutas básicas em todo o planeta, podendo apenas diferirem, nos tipos físicos, aparências e cores, mas basicamente têm o mesmo princípio, ou seja, um princípio desenvolve as características aos homens, outro aos gatos um terceiro para os cães e assim indefinidamente. Ao morrer um homem, acaba apenas o organismo deste, mas o princípio permanece e continua dando seqüência à produção de outros homens - o mesmo acontece com os princípios da matemática, da música, da mecânica ou da química e etc. As transformações que existem conhecidas ou não, atestam a potencialidade infinita desses “princípios”. “A única coisa que não muda é a mutação”. “Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. Estas são leis básicas dos “princípios”.

Os princípios estão codificados nas sementes, assim como nos genes humanos, onde o princípio criador tem a sua morada. Em cada fruto os princípios, existentes em suas sementes, dão origem a diversas árvores e, assim, sucessivamente para tudo que existe na natureza. Logo tudo é eterno, pois, mesmo que a terra seja destruída amanhã, “os princípios criadores”, abrangendo todo o “cosmos” irão recriar tudo, em alguma outra parte do universo material. Sempre haverá o “Fiat Lux”. Esta ordem reside no silêncio e no vazio cósmico.

Os princípios cósmicos permanecem latentes nas profundezas do cérebro, e não têm aflorado à consciência, porque o homem parou de aprender e apenas está a acumular informações de segunda mão. E esta condição está tornando a mente do homem mecânica, fazendo-a perder as sensibilidades compatíveis com autênticos seres humanos. É necessário que volte a aprender, descobrindo pessoalmente situações novas, pois somente assim deixará de ficar repetindo os mesmos comportamentos físicos e morais, descaracterizando a humanidade, naquilo em que um dia haverá de ser.

As tolices de nossos ancestrais como crenças generalizadas, padrões disso e daquilo, numa sistemática repetitiva têm tornado o desempenho cerebral cada vez mais obtuso, incapaz de penetrar profundamente em algo que realmente possa resolver as questões humanas, hoje, tão destituídas de um sentido digno.

Por que temos de acreditar em alguma coisa, que nos foram contadas por palavras ou literaturas, se não podemos constatá-las por nossos sentidos físicos e intuitivo? Tudo que nos induziram a aceitar como verdadeiro, não passa de imagens que vivemos repetindo e nos acostumamos gostosamente com elas - com tanto apego - por serem consoladoras, embora não resolvam nada como se tem percebido em nossa vida cotidiana - tornaram-se “um mal necessário”, tal é a nossa desdita e o nosso sortilégio psíquico.

Nunca se deve divulgar uma mensagem sem que a tenhamos constatado como uma realidade vivenciada pessoalmente, de forma consciente e profunda. Quando é transmitida assim, a mensagem que já é nossa, por que já faz parte de nós, do nosso caráter, ela terá uma força tremenda para induzir ao sucesso outras pessoas, pois representa a expressão da verdade.

Uma verdade quando intuída pessoalmente, reveste-se de uma energia tremenda, que além de influir milagrosamente às outras pessoas, renova a mente de quem a percebeu, dando-lhe saúde e lucidez. Quando me refiro ao intuitivo, faço-o no sentido em que a compreensão esteja ligada à sabedoria, proveniente dos recônditos mais profundos do cérebro, cujas células nervosas, guardam-na desde os primórdios da humanidade.

Observe-se o pensamento quando surge, e verá que ele se transforma em sentimento - o qual é um pensamento expressando uma ansiedade, como o medo ou um desejo - e às vezes, como ação. Continue a observá-lo até que se extinga naturalmente e desapareça do campo mental.

As informações com as quais estamos familiarizados e as transmitimos como raciocínio ou explicações coerentes, dizemos ser pensamentos e que emanam da consciência. As informações carregadas de ansiedade, de angústia, satisfação, perturbação, enfim, aspectos emotivos, dizemos ser sentimentos nascidos do inconsciente, por que, naturalmente, são compulsórios; surgem mecanicamente e atuam de forma imprevisível e perigosa, podendo criar situações cons-trangedoras.

Tudo que a memória guarda foi percebido pelos sensórios, e tudo que foi percebido sempre existiu nos princípios cósmicos, assim como o processo evolutivo e as alterações nas características animais, conforme as condições ambientais nos aspectos físicos, químicos, psicológicos e econômicos.

Nós não pensamos; somos o pensamento que insinua existir o pensador.
Existindo somente pensamentos, compreende-se que não somos indivíduos e sim, todas as pessoas e coisas existentes no mundo. Quando uma pessoa morre significa que estamos, apenas, perdendo uma das pessoas que somos, e que, na verdade não nos faz falta alguma, pois outras estão nascendo, e cada vez mais, em maior quantidade. E não existimos apenas como pessoas, mas em tudo o que existe, pois somos singularmente o universo.

Assim como as coisas materiais são de acordo com desenhos e plantas arquitetônicas, as idéias também são conforme os princípios cósmicos.
Os princípios da física, da química, da biologia, da matemática e da música, são os fatores naturais à performance cósmica.



Capítulo 06

A ilusão do cérebro

Uma das maiores ilusões a que se apegou o cérebro, é a de que ele se conhece ou pode conhecer-se, utilizando-se do seu conteúdo.

Estando condicionado pelos inúmeros hábitos e vícios, o cérebro sequer pode ver a sua desastrosa situação. Para que pudesse ver a sua desdita, teve primeiro que perceber em outros suas capacidades de organizarem-se mutuamente, e a partir disso, desconfiar e questionar seu próprio estado. Com o interesse pela questão, pois começou a vislumbrar a perspectiva de uma qualidade psicológica superior, dedicou-se à procura de poder penetrar cada vez mais profundo na sua subjetividade. Com a penetração conseguida pela observação silenciosa, a um nível de o pensamento não mais interferir como sensor e avaliador moral, as reações da memória tornaram-se compreensíveis a tal ponto de os conflitos serem efetivamente compreendidos e eliminados. Mas, para que a eliminação do observador seja possível tem-se que perceber intrinsecamente, como revelação do autoconhecimento, e nunca se esperando que possa ser apreendida através da comunicação em palavras, orais ou escritas. Com o reconhecimento dos conflitos surgentes no âmago, interferem em seguida outros pensamentos como “sensor moral”, avaliando e tentando modificar a crise; é justamente esta interferência que viabiliza a sua continuidade no campo mental.

A autoridade dos mestres e dos livros não têm nenhuma serventia para o ensinamento daquilo que é impoluto, imenso, maravilhoso. A verdade é inédita, tem que ser percebida; não pode ser ensinado.

A verdade terá de vir a cada um de nós, quando, espontaneamente, ocorrer a capacidade de ver e ouvir todos os eventos que se nos apresentem, durante os momentos em que se tenha a oportunidade de contatá-los. Esse contato, obviamente, só poderá ser feito diretamente com o fato, estando o cérebro silenciosamente atento. Aí, sim, a “Mente” ou inteligência cósmica, entra em sintonia com as células nervosas, regenerando-as, eliminando todo o código impresso que as compele às reações neuróticas e mecânicas. As repetições de registros intelectuais e “não factuais” vão cada vez mais lesionando as células nervosas, ao ponto de adoecê-las, influindo nas células totais do organismo.

Ao se enfrentar todos os desafios que se nos apresentam, com a atenção pacífica e silenciosa, os registros e reconhecimentos deixarão de ser feitos o que, pelo discernimento alcançado pela própria ação do silêncio, na qualidade de tornar possível a compreensão imediata de toda a ocorrência, fará com que as células comecem a cicatrizar-se até o alcance total de regeneração e eliminação conseqüentes dos seus registros.

Tudo o que pensamos, experimentamos com prazer ou sofrimento, realizando ou deixando de realizar, proveio de pensamentos, nossa cultura - da programação estabelecida pelos sistemas dos relacionamentos humanos.

O autoconhecimento que na verdade é a revelação de si mesmo, ou auto-revelação, por si só cria o percebimento, simplesmente pela atenção consciente às reações do pensamento, constantes dentro de nós. Não há acúmulo de conhecimentos, mas apenas surgimento de nova capacidade para se cuidar de todas as coisas de forma correta sem carências de teorias ou raciocínios.

Não há como explicar a ação intuitiva, nem forma alguma para promovê-la, ela simplesmente acontece em um momento qualquer e termina da mesma forma. Como por exemplo, poderia apresentar a situação do sono, que começa e acaba sem que se tenha consciência alguma do fenômeno. Ninguém percebe os atos de quando se dorme ou quando se acorda, é um fenômeno realmente impressionante, tal como o próprio sonho, vem do vazio e para o vazio retomam. A intuição, o sono e o sonho são fenômenos atemporais. Em se vivendo atemporalmente, vive-se efetivamente em outra dimensão de consciência, a qual é a expressão da verdade, onde as ilusões não têm cabimento. A visão intuitiva que é a inteligência suprema é inexplicável, inédita; as palavras, as explicações que possam partir de uma fonte profunda têm as características altaneiras, sem nenhuma relação daquelas provenientes da memória, as quais se apresentam sempre, superficiais e não convincentes, por serem limitadas e contraditórias; em que existem sempre desejos antagônicos. A percepção utiliza-se do conhecimento exclusivo dos significados das palavras para expressar-se.

Com o autoconhecimento, percebe-se a coisa certa embutida ocultamente na coisa falsa, que se ouve e se vê corriqueiramente em diálogos, palestras, literaturas e comportamentos pessoais. E tem-se a compreensão de não reagir, permitindo que o acontecimento revele-se tal como o é em sua natureza. Com o percebimento, as reações que através das lembranças condicionadas, afloram da inconsciência para a consciência, são promotoras dos conflitos; este mesmo percebimento será a causa terminal deles.

Em se percebendo algo, transforma-o em conhecimento, e, com este conhecimento tenta-se resolver uma questão psicológica, nada de concreto será realizado. O conhecimento por ser limitado, não afetará profundamente a raiz do problema e, o pior, dará condições de continuidade ao mesmo. Um problema é sempre limitado ao se ficar envolvido com ele, e é isso que fazemos quando se teoriza a coisa. O problema quando percebido intimamente dá-nos a resposta vinda do silêncio da mente, como uma revelação, e esta resposta tem a realidade e profundeza de sua origem.

Autoconhecimento, como parece sugerir a própria palavra, não é conhecimento de si próprio, mas percebimento de suas reações mentais. São justamente estas reações que dizem a respeito do que somos. Somos as nossas reações, todo o conteúdo da nossa consciência. É da percepção dos movimentos da mente que temos a compreensão de tudo que ocorre, de forma incontinenti. Nem sempre aquilo que é assimilado pela percepção é possível transmitir através de palavras, tal como não se poderia descrever os sentimentos ou emoções.

Psicologicamente, sem autoconhecimento nada de útil pode se realizar, por que para que haja harmonia, estética, realidade, faz-se necessário uma compreensão profunda daquilo a ser realizado. E, somente o autoconhecimento proporciona o discernimento efetivo para as invenções e criatividades.

Alguém pode nos dizer alguma coisa que expresse consideração, simpatia ou amor e também a expressão oposta: desrespeito, antipatia ou ódio; mas, a realidade ou falsidade destas expressões, só podem ser detectadas pelo sentir pessoalmente; e, esse sentir provém do autodescobrimento; sem o qual é impossível viver uma vida plena. Isso parece ser bastante claro, quando é feita uma declaração em palavras; e depois, um comportamento ou uma atitude se manifesta ao contrário e, pelas ações ou reações, pode-se perceber, melhormente a autenticidade dessas expressões. Esse percebimento é intrínseco, é a nossa própria luz, que nunca se engana; é esse sentir por si mesmo, o que constitui o autopercebimento. Aí, está a autêntica meditação, fator imprescindível para as atitudes coerentes.

A mente usa truques como “chavões” para enganar-se e enganar a tantas outras, induzida pelo instinto de autopresevação.

Os truques que a mente nos prega, como as crenças, divertimentos lúdicos, cultivos de teorias, divagações, métodos psicológicos para o desenvolvimento interior e auto-análise, nos afastam de “o percebimento daquilo que é”.

Nenhuma atividade nos é necessária além da percepção holística das coisas observadas, como desafios, pensamentos e sentimentos. Se permitidos forem seus desdobramentos, florescendo até o ponto de murcharem por si mesmos, a mente tornar-se-á una com o universo.

Vivem-se duas realidades: a realidade que é e a realidade que se imagina; que gostaríamos que fosse. Ao se perceber efetivamente esta contradição básica da mente ver-se-á também que uma energia tremenda é despertada, o que induzirá de forma natural à libertação de todos preconceitos, e ao enfrentamento consciente aos desafios, sem condenação, sem medo e sem luta.



Capítulo 07

A consciência particular e cósmica

Há duas espécies de consciência: a primeira representada pelos movimentos dos pensamentos e sentimentos, como reações da memória, e, assim, dá-se o reconhecimento de tudo aquilo que por ventura já tenha registros de experiências ou informações anteriores. Esta é a nossa consciência, comum a todos os seres humanos. Esta consciência tem como conteúdo todo o conhecimento; ela é o conhecimento.

A outra consciência se constitui no vazio e no silêncio; é a mente silenciosa. Ambas só podem existir independentemente; não podem coexistir; a presença de uma implica na ausência da outra. Quando a consciência silenciosa está presente, não há reconhecimento, não há raciocínio e não há conhecimento, isto é, não há interpretação, não há comparação e não há registro e, sim, autodescobrimento e percepção. Esta consciência constituída da onisciência cósmica faz parte de um grupo, ainda desconhecido, e que se manifesta atuando em células especiais, para que o sistema nervoso possa atuar, quando a consciência condicionada silencia. Só quem por ventura tenha tido, mesmo que por um instante, entrado em contato com o silêncio e o vazio da mente, pode ter percebido este tipo desconhecido de neurônios. São estes os veículos da comunicação cósmica, que sendo estimulados por ela, despertam seus códigos e utilizam-se dos conhecimentos das palavras e informações seletivas em outras células, para expressarem-se harmoniosa e sabiamente, tornando possível um comportamento racional e digno de autênticos seres humanos.
A visão intuitiva, que é a inteligência pura, sem causa e atemporal, tal como a luz surgente, clareia e revela todas as coisas, tornando possíveis as mudanças que se façam necessárias, e de forma incontinenti. O próprio ato de perceber a situação presente provê o discernimento apropriado à escolha das palavras certas, para se colocar às claras toda a comunicação do evento - embora as palavras não possam nunca, descrever com realeza um fato, no entanto, para o efeito de comunicação, elas tem o poder de esclarecer às condições relativas, para adequar a situação ao sistema social.

O percebimento é atemporal, não necessitando de raciocínio ou atividade intelectual. De ordinário, a percepção intuitiva só ocorre quando da ausência de pensamentos, quando o cérebro efetivamente silencia.

Comumente fazem-se afirmações a respeito do absoluto ou do desconhecido. Isto é uma insensatez, não se pode afirmar o absoluto ou o desconhecido, por que qualquer afirmação é relativa, e o que é relativo nada tem a ver com o absoluto. O intelecto é o conteúdo da psique, mas quando se manifesta como conhecimento tecnológico ou científico, nós o chamamos de razão, raciocínio lógico ou discernimento, etc. Quando se manifesta em sentimentos, então, os chamamos de psique, ego. Toda a ação tornar-se-á plena, não-problemática, somente, quando os sentimentos não interferirem na percepção, por que estando o cérebro em silêncio, se dará o contato da Mente com as células cerebrais. Este contato, tal como a luz ao exterminar a escuridão, fará as células nervosas exprimirem-se com palavras, idéias e atitudes corretas.

É interessante, para prevenir-se contra sofrimentos frustrantes no futuro, questionar como os choques despertarão as causas das mágoas, ocultas na memória, acerca de eventos, tais como: perda de pessoas queridas, perda do emprego, traição por alguém, solidão ou doenças. Quando entendidas todas estas causas, pode-se, então, enfrentar tranquilamente os choques motivados pelos acontecimentos imprevistos. Isto fará com que a mente saia renovada em todas as experiências drásticas e prevenida para novos desafios.

Pela atenção aos movimentos da mente, percebe-se que qualquer tipo de dependência provoca enorme dor, então, quando ocorrer o choque novamente, a causa da mágoa não mais existe, e uma coisa totalmente diferente surge e nos deixa tranqüilos. Pela reflexão, e conseqüente percebimento do que nos fará sofrer, pela ocorrência de uma perda qualquer, elimina-se imediatamente a causa inserida na perda e, assim, quando houver o choque em outra ocorrência, não haverá a presença de mágoa alguma, e ficamos livres do sofrimento.

Quando garoto, estava em férias na fazenda de meu avô, e à noite dormia na esteira, no chão da cozinha, acordei-me com um sapo enorme deitado sobre o meu estômago. A partir daí passei a ter um medo terrível deste animal. A simples presença ou mesmo a sua lembrança me causava arrepios; fiquei neurótico, a ponto de agredir qualquer pessoa que me mostrasse um sapo; certa ocasião um colega de trabalho por pilhéria, e sem noção do meu trauma, pegou um e jogou em cima de mim; se outros colegas não me contivessem, por certo teria cometido um desatino. Mas, com a consciência desperta, atenta regularmente aos movimentos constantes da vida, fatos similares já não mais poderão perturbar uma vez que o ato de ver, sentir e escutar se constitui na fase terminal do medo generalizado.

Li algures, em um livro de metafísica, que me despertou um meio de libertar-me do medo dos animais asquerosos e peçonhentos. Dizia a instrução que para se vencer um problema desta natureza, ou qualquer outra de natureza diferente, deveria enfrentá-lo. E ensinava que se imaginasse brincando com o animal, acariciando-o e convivendo pacificamente com ele. A instrução dizia ainda, que a mente não difere o fato da imaginação. Imaginei a situação sugerida e me libertei realmente, do medo psicológico desses animais, inclusive das pessoas. Denomino este método de reflexão metafísica, e acho importantíssimo fazê-lo em relação aos fatores que provocam sofrimento psicológico; é como preparar-se psicologicamente para eventuais sofrimentos.

Observe-se como a mente, por não diferir entre a realidade e a ficção, tem eliminado o medo de assombrações que as pessoas tinham a respeito de filmes de terror ao assisti-los, e que após a familiarização com eles não mais se perturbam, e devem até vir a superar quaisquer superstições; tendo de forma natural, uma libertação de vários problemas emocionais, causados por uma mente medrosa. É interessante que nos acostumemos com aquilo que não gostaríamos enfrentar, afim de que se elimine o constrangimento ao encontrar-se eventualmente com o indesejável. A mente, não diferindo a realidade da ficção, pode permanecer tranqüila diante de um fato real, quando já estiver acostumada com o quadro ou situação fictícia. Assim, colocando-se encima dos móveis objetos representativos de animais e coisas que nos constrangem as pessoas, principalmente crianças, ao se familiarizarem com elas, eliminarão os seus medos inconscientes.

A reflexão metafísica abrange tudo que possa ser imaginado, por que a mente reage emocionalmente tanto a respeito de fatos reais quanto a imaginários. Quando estamos sonhando temos emoções equivalentes àquelas que experimentamos no estado de vigília. Os cinco sentidos operam normalmente, e o sonho só passa a ser irrealidade quando acordamos.

Em uma outra ocasião, quando morava em alojamento, com operários colegas meus, na portaria preso à parede, junto ao balcão onde ficava o vigia, estava um quadro de madeira, cheio de pregos, onde se colocavam as chaves dos quartos. Sempre que alguém chegava ao alojamento, pegava a chave correspondente ao seu quarto, recolocando-a de volta ao sair. Um dia, estando ansioso, por certo, para descansar após o período de trabalho, ao entrar no alojamento, esqueci-me de pegar a chave, e ao chegar à porta do quarto, fiquei possesso, e esbravejei neuroticamente, pois teria que voltar à portaria a fim de pegá-la. Felizmente, na própria reação de raiva, percebi que o culpado pela desatenção era eu mesmo e, assim, tomei uma atitude surpreendente: voltei à rua e depois, passando propositalmente pela portaria, fingindo ter esquecido de pegar a chave, e atento às reações que por ventura surgissem na mente, constatei que a mente se comportou sem reação alguma, e nunca mais me aborreci com este tipo de ocorrência. Algo fantástico aconteceu evidentemente: as reações condenatórias, ao perceberem que o estado neurótico apresentado faziam parte de sua própria natureza, perderam de imediato o incentivo de continuar com o circo contumaz, e parando a luta insensata. Pela percepção do que estava perturbando, houve um contato da consciência comum com a consciência cósmica, e a ação correta foi implantada. A realidade se apresenta quando não há diferença alguma entre o observador e a coisa observada” .

É imensa a importância de se perceber que o observador é o próprio sentimento observado, pois o término do conflito só é possível com esta constatação, no ato da crise - se virmos, efetivamente, que somos as emoções e todo o conhecimento contidos na consciência, perde-se naturalmente incentivo à luta contra nós mesmos.

O sofrimento é despertado sempre que se é apanhado de surpresa por algum acontecimento cujos fatores estão adormecidos no inconsciente. Esses fatores são: o apego às pessoas e às coisas; a dependência à autoridade psicológica, a vontade de conseguir algo causador da rotina e conseqüentes frustrações. Em se fazendo reflexões, colocando-se imaginariamente nessas situações, observando-se todo o movimento dos sentimentos e pensamentos, a partir de seus inícios até a consumação dos mesmos, e se realizada profundamente, esses fatores do sofrimento serão eliminados. Quando naturalmente ocorrer um fato inesperado, a mente não mais sofrerá, pois os fatores da mágoa já não existem. Não se tendo um órgão, ou uma parte do corpo dolorido, pode-se tocar neles sem que haja dor, mas, em havendo quaisquer seqüelas, parece-nos que tudo quer atingi-los.

Na observação sem observador, vêem-se as coisas sem reconhecimento, tal como olhar-se para a escrita chinesa ou japonesa, sem que se tenha qualquer condição de identificar os seus significados. É o observador que se apavora com o que por ventura estivesse escrito, porque não sabe como lidar com as circunstâncias e, ao invés de livrar-se, envolve-se com elas. São as imagens tétricas ou maravilhosas que se faz a respeito daquilo que se observa as despertadoras das emoções tristes ou alegres, inertes na memória.

A mente pode chegar a uma capacidade de não intervir, pelo pensamento, na percepção dos fatos objetivos e subjetivos, de tal forma que não tomará conhecimento de qualquer dor, seja física ou moral. Isto não significa que percamos a sensibilidade, mas que o aspecto doloroso, tal como se esteja tratando um dente sob efeito anestésico, impede que soframos. Sente-se o órgão dolorido, mas não há dor. Efetivamente o problema existe, embora a preocupação a seu respeito esteja ausente. Assim como uma dívida não poderia desaparecer mediante uma reflexão metafísica, mas com certeza a preocupação ou ansiedade seriam descartadas definitivamente do processo de pensamentos. E estando a mente tranqüila encontrará condições adequadas para administrar a dívida.

O pensamento é um processo de recordações que aborta da memória as lembranças do sofrimento e do prazer, quando da reação a um evento qualquer. Cessando o pensamento, embora não se percam as sensibilidades das circunstâncias da vida, a dor e o prazer não terão efeitos intensivos, que possam alterar o comportamento coerente das pessoas. Pelo estado de percepção, em que a memória não interfere, os eventos se revelam conforme sua própria natureza, e não como o pensamento o faz. A percepção tem o poder mágico de resolver o necessário à vida, e não o que se pretenda que ocorra como satisfação aos anseios pessoais.

A verdadeira paz e harmonia interior dependem da ausência de sofrimentos, e não da presença de condições deleituosas. E, assim, pode-se compreender que o estado de isenção dolorosa não signifique insensibilidade. O sofrimento só é possível pela identificação provinda de lembranças dolorosas, anteriormente registradas nas células cerebrais. Se o movimento do pensamento for cessado, o centro, o sensor moral, não poderá sofrer, pois o pensamento é que é o “sofredor”. Não há entidade alguma que sofra ou tenha prazer: todos os sentimentos provêm das informações contidas na memória. Esta é que dá existência à consciência, e é desta consciência que os sentidos físicos originam-se, e, são suas atividades que dão ênfase àquilo que se convencionou na coisa “eterna” chamada de “eu ou alma”, etc. O cosmos, em eterna contemplação, tem a sensibilidade de tudo que ocorre, mas, não possuindo memória - pois nunca aprendeu nada - não há possibilidades de sofrimento. A sabedoria é imaterial - energia pura - realizando tudo sem envolver-se com coisa alguma.

Cada sentido físico representa “vinte por cento do que somos”, e, à medida que um homem por acaso for perdendo um deles, sua capacidade como pessoa vai reduzindo-se em vinte por cento - em termos - até “zerar e acabar”.
Morta a memória, morremos também. Somos apenas memórias. Somente o princípio eterno, razão de tudo É. Um corpo sem memória, ainda que funcionando fisiologicamente, está morto.

Quando um equipamento elétrico deixa de funcionar, por qualquer motivo que bloqueie a recepção da energia elétrica, ele perde sua “vida”; mas, a energia continua movimentando outros, e mais outros, que vão surgindo no mercado, quando entram em contato com ela.

Há uma energia não-mecânica fora das leis físicas, sem causa e efeito - que pode parar a intervenção do pensamento, quando da percepção de algo. Energia esta independente da vontade e que fará o cérebro silencioso, ocorrerá no momento em que o próprio cérebro perceber a necessidade urgente de silêncio. Quando se percebe que os pensamentos não têm capacidade para resolver questões psicológicas, o cérebro espontaneamente silencia, entrando a percepção no comando.

Somos uma só consciência; somos os resultados de todos os conhecimentos e experiências vividos por nossos ancestrais, por todos os séculos. Sempre haverá problemas - desafios apresentados por questões da própria complexidade de condições climáticas, culturais e econômicas de cada país - porém não precisam ter continuidade ou morada na consciência; no momento em que sejam percebidos como truques mentais, para manter o pensamento envolvido com eles, esse mesmo percebimento impede que a memória registre a situação. A consciência particular de cada ser vivente, homens, animais e vegetais é um só princípio, que atuando em suas células lhes dar a condição de viver. Mas, este princípio é um reflexo da consciência cósmica, razão de tudo.

Todo o conhecimento e toda a experiência têm como base as leis universais, isto é, tudo que for criado ou inventado, será por obra e graça das leis cósmicas e, estes princípios estão codificados nas células cerebrais dos seres humanos. No próprio viver, pelas necessidades apresentadas, essas leis vão sendo despertadas e transformam-se em coisas através dos projetos humanos afim de suprir o homem. Cada homem que nasce pode despertar estes conhecimentos pelas suas próprias experiências e, como o campo de experiência para cada ser proporciona situações diferentes, cada um desenvolve diferentes personalidades aparentes. Exemplificando: os conhecimentos de cada profissão proporcionam características de personalidades diversificadas, mas, é-nos notório que como seres humanos todos são exatamente iguais. Isto porque as características comuns e primordiais são os sentimentos e os pensamentos; estes são absolutamente os mesmos para toda a humanidade.

Então, quando os semens do organismo de nossos pais estão prontos, ali estão todos os conhecimentos da humanidade, impressos geneticamente. A individualidade é apenas formada por caracteres simples. As condições básicas do animal são seus cinco sentidos físicos, e estes são idênticos para todos. Os cinco sentidos são como antenas que trazem as informações do mundo exterior e formam a nossa consciência - única para toda a humanidade. Um mamão, por exemplo, contém centenas de sementes, e qualquer uma delas são réplicas das outras; em se plantando, elas produzirão frutos em cada árvore exatamente iguais. Pode haver apenas algumas diferenças superficiais, devido a influências possíveis da qualidade do terreno, em que por ventura tenham sido plantadas e devidamente cultivadas, com técnicas ou sem técnicas. Sendo plantadas, hipoteticamente, em condições idênticas, obviamente, elas seriam também absolutamente idênticas, na qualidade de suas árvores e frutos.

Quando se tem a necessidade de se fazer algo, o cérebro age em direção à coisa para saná-la; assim acontece ao se perceber as tolices que a mente está fazendo, o cérebro pára com as atividades perniciosas, tal como quando se percebe que se errou em uma estrada, e se dirige até o próximo retorno.

Um cérebro assim não está mais condicionado à sua mecânica de agir baseado nas informações contidas nas células cerebrais comuns. Toda sua ação está orientada pela visão intuitiva que apenas utiliza-se dos conhecimentos e experiências acumulados nos neurônios para transmiti-Ia ao organismo, afim de realizá-la, quando os problemas são objetivos. Problemas subjetivos não têm soluções mecânicas e sim dissoluções, isto é, a percepção simplesmente anula-os, deixando o seu espaço à uma nova dimensão de consciência.

Está retida na memória contemporânea a condensação ou essência das informações e experiências centenárias, modificadas pela adição e subtração por experiências posteriores através das gerações. Poderiam Ter sido eliminadas, se percebidas adequadamente por nossos ancestrais, nas oportunidades várias que surgiram, por incidentes e acidentes, comuns em todas as épocas. Informações recentes podem não mais existir na memória - se já compreendidas adequadamente pela percepção - e outras podem persistir indefinidamente, até que uma geração perceba a inconveniência de lhes dar continuidade. Quando a mente interioriza-se, no momento em que se está experimentando um conflito, todo o inconsciente está exposto e susceptível a ser purificado ali mesmo. As emoções, por exemplo, persistem desde os primórdios da humanidade. Foram formadas pelas agressões drásticas das intempéries e animais selvagens. Por instinto autoprotetório o cérebro reagiu física e psicologicamente preservando as emoções, por julgar-se falsamente protegido e fortalecido por elas, impedindo assim, o percebimento de suas ações perniciosas.

No momento em que a memória está no umbral da morte (semi-coma), extravasa uma série de lembranças que tanto a acalentara quanto ao medo de sucumbir. Então, as informações armazenadas surgem em forma de sonho, dando continuidade às crenças que gostaria se realizassem após o transe existencial. Uma coisa deve ser esclarecida, afim de que esta ilusão a respeito da vida após morte seja desfeita enquanto vivemos: tudo que vemos ou sentimos provém da memória, por que só podemos reconhecer o conhecido; o desconhecido não se pode reconhecer. Quando a memória acaba pela morte física, ocorre outra dimensão de consciência, que nada tem a ver com a consciência elaborada por ela. Para que se retome a consciência cósmica, a particular tem que acabar. Em contato com a “outra dimensão de consciência” tudo é “novo”; em nada se assemelhando com o “conhecido” - que é a memória ou consciência tradicional, capacitada para as recordações (passado), para o reconhecimento (presente) e as projeções imaginativas (futuro). Vê-se aí, nestas expressões mentais, que o pensamento representa o tempo psicológico e o fator preponderante das ilusões.

Não existem coisas no universo que os seus princípios não as tenham criado, inclusive a supremacia do cérebro com os sensórios para experienciá-las, e registrá-las na memória.

Enfim, não há nada na consciência que não tenha sido experienciada pelo cérebro desde os primórdios do universo ate agora.

A mente é a performance do pensamento, da memória armazenada nas células nervosas comuns. Tembém pode ser a performance do percebimento procedente das células nervosas especiais, quando efetivamente pela atenção total, que é silêncio, houve a conecção com a energia pura do universo. Este pode ser o estado dominante em todas as atividades, assim que a compreensão profunda daquilo que é se tenha implantado na consciência, como um todo.

Embora se tenha feito a separação entre as consciências cósmica e particular, não há nenhuma dualidade; elas são uma só consciência. A separação foi feita apenas por conveniência didática.



Capítulo 08

Compreensão e percepção

Compreensão é o entendimento físico, mecânico e objetivo de tudo que existe e a percepção é o sentir intrinsecamente e viver a realidade daquilo que é, a cada instante.

Não acredite em nada do que tenham escrito, em todos os tempos; este livro não foi elaborado para que se dê algum crédito, mas para que seja constatado por todos pessoalmente afim de que sintam com todo o seu ser - seu organismo - a falsidade ou veracidade de tudo aqui apresentado. Alguém pode estar pensando; e - com razão - como posso constatar algo pessoalmente, se o que disponho para tal é a minha memória condicionada repleta de conhecimentos e experiências das culturas herdadas e das minhas próprias experiências que também estão contaminadas pelas anteriores. Tudo que se conclui tem o respaldo de antigas conclusões, tal como “o vinho novo se armazenado em odres velhos” ficará com as características do antigo. Então, o que fazer para se vir realmente algo tal como se apresenta? Obviamente tem-se que perceber a diferença entre os estados de experiência e experimentar: o primeiro consiste em se observar com a memória - que é a maneira tradicional descrita anteriormente. E o segundo, em observar com a mente silenciosa, ou em estado de atenção passiva e impessoal. Pela prática da auto-observação consciente, chega-se ao estado de atenção plena, e daí à percepção real dos fatos. Quando, por exemplo, observamos tranquilamente e sem comentários o comportamento antiquado de uma pessoa, intuímos de imediato uma forma nova e eficaz de relacionamento com ela e com a sociedade. Nada é preciso fazer para orientar-se sobre relacionamento humano, basta apenas observar como as pessoas se comportam, conosco e socialmente.

Quando já se tenha alcançado um nível de decepção por toda a conduta e hipocrisia social, então, é possível chegar-se ao “estado de experimentar”.

O homem que tenha autoconhecimento não se dedica à ensinar, ou tenta ajudar a alguém, ou dar-lhe orientação, mas, simplesmente, está compelido pela realidade, e, na sua integridade, procura despertar intensamente os fatos já instalados na própria consciência de cada homem, incentivando-o à percepção.

Se o homem estiver realmente interessado em compreender o que está sendo descrito, por si mesmo perceberá o mundo caótico em que está vivendo, e, pela compreensão profunda deste estado calamitoso, terá tranqüilidade e sabedoria suficientes para não se deixar envolver por ele.

A realidade só pode ser transmitida àqueles que decepcionados, tomaram aversão pelas hipocrisias e ilusões vigentes de toda essa podridão camuflada como necessidades básicas: sucesso e realização pessoal enquanto a imensa maioria morre à míngua no estertor pleno de misérias físicas e morais.

Para se compreender uma situação conflitante é necessário que se esteja plenamente atento, e, na atenção não há pensamentos. Se houver, é claro, não se está atento. Então, quando uma análise é feita, para que se entenda o problema, o pensamento interfere, impedindo a atenção - os conhecimentos e teorias são limitados e, assim, na verdade, perturbam mais as vítimas da análise. O analista como tem melhor capacidade para ouvir, é ele, na verdade, quem se beneficia na análise de outrem. A análise pode atenuar um conflito, quando o paciente por intenção própria ou inconsciente, ouvir atentamente o que se lhe diz, porém é esta atenção o fator preponderante para se perceber a crise, o que leva ao término do problema. Mas, é preciso diferir a análise e a percepção do fato em si. Se o analista e o analisado ficam a trocar informações, a análise não terá sentido, mas ao perceber atentamente o que se diz então a análise terá algum valor, principalmente se for feita de forma impessoal, analisando o que acontece com a humanidade, pois o quê a está afetando é comum a todos nós - quando se preserva ou se polui a natureza todos são beneficiados ou prejudicados, sem distinção.

A compreensão é diferente da percepção: a compreensão pode vir por exemplo de uma análise das situações compulsórias, e assim, a mente pode criar dispositivos para não cometer desatinos, evitando agravar sua situação física ou moral em detrimento de outrem, mas não fará com que fique livre das compulsões neuróticas. A compreensão é produto do conhecimento podendo induzir a mente ao estado perceptivo, terminando com o conflito.

A autopercepção que significa descobrir em si mesma as suas compulsões, fará com que elas sejam eliminadas, pois o próprio ato de perceber se constitui daquilo que se percebe. Ao percebermos que somos as coisas percebidas, ficamos em paz com elas e conosco mesmos. Em não havendo distinção entre observador e observado, não haverá motivo algum para julgamento e conseqüente conflito. É perceber as próprias reações no momento em que ocorrem os desafios. É estar atento aos movimentos da mente: seus pensamentos e sentimentos a todo instante.

Todos ideais psicológicos são falsos. Os objetivos podem ser realizados, por que há o conhecimento técnico para concretizá-los. Uma rodovia, um viaduto ou uma edificação qualquer são viáveis, isto é bastante óbvio, mas, em se tratando de mudanças de comportamentos a coisa muda de realidade, pelo fato simples de não se ter condições, de pelo pensamento estabelecer-se qualquer técnica psicológica. Toda técnica implica em método e assim não pode resolver uma questão psicológica. Esta só pode ser compreendida pela percepção cuja natureza intemporal pode compreender o problema e dissolve-lo.

Todas as tentativas dos intentos têm levado ao caos ora existente na sociedade e com possibilidades de agravamentos constantes. O que há é uma estrutura preparada para enganar pessoas, dando-lhes conforto moral e repressão, sem nenhuma condição efetiva de percepção à “moral social”. Em se compreendendo os significados de compreensão e percepção, em suas profundidades, intuir-se-á a essência contida neles, o que provavelmente libertará a mente dos conflitos.

Quando o cérebro silencia, a mente cósmica entra em contato com as células nervosas especiais, despertando seus princípios inatos (no sentido de não-nascidos; eternos) através dos pensamentos, estimulando os neurotransmissores a agirem na execução de atitudes fisiopsicológicas coerentes e sempre novas.

Os conhecimentos, em suas limitações não podem fazer tudo, porque as experiências de onde foram tiradas nunca são completas. Observe-se como os conhecimentos estão, sempre sendo ampliados, modificados ou invalidados. A análise é uma boa distração, tal como assistir a cultos religiosos e jogos esportivos, mas, para quem já tenha se apercebido dessas realidades contundentes, atenta para si mesmo e elimina os conflitos que aquelas situações nos impõem. As crises não desaparecem, nem suas dívidas, nem seus inimigos, mas perdem o poder pungente, dando-lhes o discernimento necessário de como resolvê-los.

Há profundas diferenças entre os que sabem e os que vêem. Bendito são aqueles que efetivamente silenciam e vêem. A visão silenciosa é o estado terminal de todos os conflitos.

Cumpre que nos relacionemos de acordo conosco, e não de acordo com as pessoas ou coisas. O relacionamento com a sociedade deve ser cordial, mas, sem afetação, sem apego - total independência. A intimidade tem sido o pretexto de muitos conflitos. O relacionamento com a sociedade deve ser como o óleo e a água - juntos mas sem que se misturem. Não haja identificação de pensamentos, sentimentos e ideais; porém vigilância para que isto não aconteça.

O pensamento é por natureza fragmentário, incompleto, e quando interfere na coisa que se observa, ele começa a teorizar, a racionalizar, a condenar ou aplaudir, a descrever, sem perceber que toda essa verbalização está condicionada, motivada pelas frustrações, opiniões ou preconceitos, na ânsia de como ele - o pensamento - gostaria que fosse. E, assim, a coisa percebida é fragmentada por questões imaginárias, que não têm nada a ver com a sua real natureza, deixando-a no “rol” de tantas outras nunca compreendidas.

Podemos aprender muitas coisas das pessoas, através de suas palestras, aulas e livros, mas todos estes conhecimentos estarão no campo objetivo, físico e tecnológico. Os conhecimentos subjetivos ninguém poderá nos ensinar; nós próprios é que teremos que descobri-los e, para tal, basta nos conscientizarmos na verificação pessoal de cada ocorrência com toda a atenção, sem a presença das considerações a respeito delas. Os conhecimentos já estão inseridos nas células cerebrais, desde as primeiras experiências humanas, necessitando apenas que sejam despertados.
Não são os conhecimentos sobre nós mesmos que nos livram dos conflitos, mas o percebimento dos conhecimentos e desejos conflitantes, há séculos registrados nos subterfúgios da mente, que por tradição tenham-se repetidamente feitos novos registros.

A análise pensa sempre em termos de causação, esperando que pelos conhecimentos das causas, eliminem-se os seus efeitos. Nós conhecemos as causas e efeitos das guerras, das drogas, das religiões, dos partidos políticos; conhecemos todas as suas pretensões, presunções e artimanhas, e nunca nos livramos deles. Necessário se faz que as pessoas tenham consciência e responsabilidades efetivas.

Aquelas pessoas que teorizam contra aqueles descalabros, inconscientemente colaboram na prática com tudo isso, e assim, a humanidade nunca se libertou deles. Todos querem justiça; o fim da violência e das guerras, mas, ninguém pensa efetivamente, em melhorar a si mesmo. Sabemos quais são as causas disso tudo; sabemos que estamos errados e gostaríamos de mudar; refletimos sobre nossos erros e chegamos a detestá-los, mas, continuamos a repeti-los.

O pensamento não pode resolver problemas, ele é a própria causa dos problemas e, sendo assim, para resolvê-los, basta que a mente silencie, em atenção total. Sem pensamentos não há problemas, porque, mesmo que situações adversas continuem existindo e nos desafiando, não têm mais o poder de perturbar ou provocar conflitos; é na busca por respostas que se perpetua a dor. O problema não se encontra naquilo que acontece, e sim como reagimos ao acontecimento.

É interessante como o analista tenta analisar alguém, quando os seus conflitos, pela análise nunca foram extintos - podem ter sido reprimidos, ocultados e nem percebem serem iguais aos do analisado, embora tenham aspectos diferentes, mas basicamente são os mesmos. Todos têm os mesmos problemas, simplesmente porque pensamos basicamente nas mesmas coisas e isto é comum a todos os seres-humanos, cujos raciocínios provêem da memória condicionada.

O pensamento provém da memória e é nela que estão todos os anseios e frustrações constituindo a natureza da consciência como monopólio humano, pois embora - como tem sido dito - os homens pareçam diferentes pelas suas especializações e culturas regionais, em todo o planeta, basicamente são semelhantes. Todas as emoções são experimentadas igualmente, ou seja, os sentimentos morais são idênticos para todos. O condicionamento social e repetições constantes a respeito do “Eu”, do “Meu”, do “Seu” e do “Você”, implantaram a idéia falsa da individualidade.

A análise pode ter alguma importância quando ela se limita à condição de propiciar ao cliente a oportunidade de ele perceber os sintomas que estão criando problemas, esclarecendo-o de que para se ficar livre deles é necessário uma atuação metafísica, voltada para a autocompreensão.

Sendo o pensamento oriundo de informações contraditórias, absorvidas por anos a fio, de diferentes fontes: imprensa, escrita e falada, crenças ou superstições, preconceitos, etc., trouxe-nos tremenda insegurança e conseqüente “medo” que é, na verdade a única emoção que o homem experimenta. O que quero dizer é o seguinte: o medo é a causa de todas as emoções e, assim é que:

ciúme - medo de perder alguém;
Inveja - medo de não obter sucesso;
Ambição - medo de ser ninguém;
Orgulho - medo de não ser reconhecido;
Preocupação - medo que ocorra algo desagradável;
Depressão - medo ou incapacidade de enfrentar os fatos;
Vaidade – medo de ser preterido;
Insegurança – medo de viver e de morrer;
Raiva – medo de enfrentar a realidade;
Ansiedade – medo de não alcançar objetivos;
Arrependimento – medo de ser desmascarado;
Esperança – medo de fracassar;
Desespero – medo por estar confuso;
Crença – medo de Deus ou da verdade;
Agressividade – medo de enfrentar o desafio;
Conflito – medo de resolver o problema;
Arrogância – medo de ter medo.

Há um posicionamento psicológico que em muito contribuirá para o autoconhecimento que é a percepção pela auto-observação daquilo que somos: ele consiste na presunção de que somos exatamente iguais as outras pessoas; que a consciência é coletiva e assim assume-se o que se é: preguiçoso, mentiroso, ciumento, medroso, invejoso, ambicioso, pérfido, corrupto, insidioso, estúpido, vaidoso, enfim, todos os defeitos morais que antes só víamos nos outros. Com esse posicionamento, tornamos então capazes de estar atentos e descobrirmos de fato que assim somos, porque estaremos então constatando o nosso ego em todo incidente e acidente que nos ocorra. Somos a própria degeneração, mas podemos nos purificar, tornar-nos verdadeiros seres humanos, quando efetivamente quisermos a mutação interior. Não tenha medo dessa verdade agora denunciada, pois é a sua percepção que nos salva.

Ao assumir corajosamente e conscientemente uma qualidade mórbida, como por exemplo a inveja, ela se transforma. Pode-se ver isso claramente quando há interesse, e urge que o tenhamos. Porque a inconsciência do fato psicológico é o motivo da doença psicossomática.

A inconsciência dos nossos sentimento criam hábitos, e o pensamento pretenso solucionador de problemas faz a escolha e implanta o habito que lhe pareça mais acessível.
O pensamento verbalizado é registrado na memória juntamente com o seu conteúdo emocional, quando da reação de um desafio. Se o pensamento não for verbalizado, não há registro do seu conteúdo, o que vai deixar a memória purificada. As vezes nem mesmo o fato ocorrido é registrado quando a percepção considera o fato insignificante.

Em se destruindo o medo, tudo ficará em paz. E para destruí-lo basta que se lhe observe sem o pensamento, que é a raiz do medo, do prazer e da dor.

As pessoas adoram ser enganadas tanto pelos outros quanto por si mesmas e, assim, fizeram uma auto-imagem esplendorosa para cada uma delas e defendem-na desesperadamente, ao ponto de tornarem-se tremendamente hipócritas e covardes, pois desejam que ela seja a sua realidade, aparentemente vantajosa. A ilusão não pode trazer vantagem alguma, é ela que nos diz serem as pessoas que chamamos de “nossas”, as melhores do mundo.

O ato de perceber atentamente é ação, nada sendo preciso fazer, a própria energia da atenção é suficiente para eliminar o conflito, sem que se tenha sequer necessidade de explorá-lo ou entendê-lo; além disso, o que acabou não carece mais de considerações algumas, o estar livre é suficiente. A causa não é interessante, não carecendo entendê-la. O importante é o efeito ou a ação do momento emotivo, que pela atenção pacífica e impessoal serão dissolvidos, sem esforço e sem drama. Quando se pergunta o que está acontecendo e a coisa se nos apresenta, não é preciso mais entender, já estamos vendo.

Ninguém pode presumir-se a mestre; isto é ridículo. Não percebe sequer a ignorância a qual está submetida - nada sabe a respeito de si mesmo e tem a presunção de conhecer como os outros são ou o de que precisam para tornarem-se melhores. E assim, os presunçosos vivem perdidos em si mesmos.

O homem que se conhece realmente, explicará determinadas situações induzindo as pessoas a verem-se como realmente são, desiludindo-as de suas auto-imagens forjadas pelas ilusões que lhe foram transmitidas pela tradição e pelos pretensos líderes. Quando já cônscias de si mesmas, de imediato abandonam todos os livros, incluindo este, pois já têm em si o discernimento implantado, podendo então transmiti-lo a outros de forma idônea.

Quando alguém é reprimido em fazer algo que contraria a ordem, como por exemplo, não cedendo aos caprichos de uma criança que teima em conseguir algo, isto pode lhe modificar a tendência de exigir, porém sua compulsão continua latente e sua personalidade frustrada. Mas, se a criança perceber que não será atendida, quando de suas exigências e sim, quando souber aguardar pelas decisões de seus pais, familiares e educadores, então, a criança que tenha sido atendida, algumas vezes as suas solicitações, depois de ter curtido suas malcriações e a indiferença total das pessoas que a cercam, ela mudará, sem nenhum trauma o seu comportamento, pois, percebeu que o caminho da conquista terá que ser sempre pacífico e digno.
Nos animais que não têm autoconsciência as células especiais permanecem ainda em estado letárgico, sem condições de serem contatadas pela visão intuitiva. Nesse estágio de inconsciência de si mesmos, sequer sabem que existem ou que vão morrer.



Capítulo 09

As células especiais

Há o conhecimento advindo das experiências próprias da vivência humana desde o seu primórdio até hoje. Estas experiências acumuladas como conhecimentos nas células cerebrais constituem-se na nossa consciência.

Os conhecimentos com os quais estamos familiarizados, podendo utilizá-los a qualquer momento para a execução de um trabalho ou atitude moral, didaticamente dizemos ser o consciente. Aqueles, um tanto esquecidos, mas que podem com um esforço natural ser relembrados é o subconsciente. Os outros, remotos e latentes como os genéticos, experimentados por nossos ancestrais, dizemos ser o inconsciente. Compreenda-se que não existe, na verdade diferença alguma entre consciente e inconsciente, pois o que existe é apenas a consciência. A divisão foi feita por questões didáticas.

Há algo desconhecido que apenas podemos sentir quando a mente consegue o silêncio profundo, mediante a cessação dos pensamentos, e que denominamos de sabedoria cósmica, eterna e imutável - por isso nada tem a ver com experiências ou conhecimentos - e, assim, tal como as informações contidas nas sementes de todos os frutos e do sêmen animal, perpetuam a flora e a fauna. Esta inédita sabedoria tem sua essência estabelecida em um determinado grupo de células e que a ciência ainda não se pronunciou a respeito de sua existência. É esta a energia que comumente chamam de “o poder da mente”. Ao entrar-se em contato com ela, todas as situações psicológicas são dissolvidas, sem nenhum esforço ou tempo. Estabelecida a harmonia cerebral, as questões objetivas e subjetivas tendem a se equilibrar. Os conhecimentos e experiências tecnológicas são necessários à sobrevivência objetiva e fisiológica, e estão codificados nas células nervosas comuns, mas, estendidas às soluções subjetivas não têm eficácia. A sabedoria que funciona no aspecto subjetivo, está contida em células especiais, aguardando ser despertada apropriadamente. Quando já se tenha constatado pessoalmente este fato, vê-se nitidamente que os conhecimentos e experiências devem ser anulados na expectativa de se resolverem questões psicológicas.

O cérebro atuando a partir da visão intuitiva, não mais terá experiências, pois, o seu “estado de experimentar”, estando em silêncio, nada interpreta nem registra; só percebe. Neste estado as emoções são compreendidas de imediato, a as ações dirigidas corretamente, sem raciocínio. As condições técnicas ou científicas, são intuídas, e assim solucionadas, utilizando-se da memória, apenas para execução dos aspectos objetivos, na manipulação de instrumentos e equipamentos.

A energia do percebimento é a sua própria ação, é como no acender de uma lâmpada, em que tudo se torna às claras - visíveis. Esclarecendo melhor este aspecto: imaginemos uma pessoa em um ambiente escuro, onde tomou conhecimentos de que ali existe uma série de objetos e alimentos necessários a sua sobrevivência. Para conseguir o que deseja, terá que buscá-lo, e utiliza-se então de sua memória e seus sentidos físicos disponíveis para detectá-los. Como não enxerga nada, sente uma dificuldade imensa para sobreviver, tanto na procura de alimentos quanto a acidentes que poderá sofrer ao chocar-se com objetos, sofrendo escoriações várias. No seu desespero pára de lutar, e na compassiva tranqüilidade da nova decisão, pressente que algo pode ocorrer. Uma janela é aberta e a luz do sol acaba com a escuridão, não precisando mais de procuras nem “apelos”. Tudo está à vista.

Nos grupos de células celebrais há comumente a possibilidade de adição ou subtração de experiências ou conhecimentos, mas, naquele “grupo especial” não há qualquer alteração no princípio básico de pureza, onde seu caráter intrínseco é absolutamente preservado; é a sua imutabilidade eterna, compelida às ações sempre corretas.

Em muitas ocasiões de forma imprevista ocorre um evento qualquer, sendo de imediato levado á interpretação do cérebro, e este, por associação espontânea, traz a lembrança de um fato remoto que tenha causado preenchimento ou decepção, fazendo com que a alegria ou tristeza experimentadas venham, através dos movimentos pensantes, criar seus dramas novamente. Tendo consciência deste processo, a mente torna-se alerta, na expectativa de silenciosamente observar as reações dos pensamentos ao surgirem, quando dos desafios que se lhe apresentam cotidianamente, a todos os momentos. Quando se perceber que o sofrimento e o prazer experimentados são funções do pensamento, e que este é o responsável pelas sensações, o cérebro permanecerá em silêncio, anulando a intervenção da memória. O pensamento é que está ali sofrendo ou usufruindo da sensação. Não há outra entidade promovendo ou experienciando o fato. Quando isto é percebido plenamente, o sofrimento psicológico será extinto, e a dor física atenuada a um nível de tolerância razoável. Com esta consciência nova tem-se uma maior sensibilidade, porém com a pungência minimizada. São estas células especiais que percebem o pensamento elaborando, no campo da mente, as recordações alegres ou tristes, deleituosas ou penosas. O espírito universal, naturalmente contemplativo, percebe os prazeres e conflitos experimentados pelos pensamentos de todos os animais; porém, sua sensibilidade não faz experiências, por que Nele não há pensamentos.

Na percepção tudo é compreendido de imediato, sem pensamentos ou raciocínios. Pensamento é matéria - energia - enquanto a percepção tendo a natureza do amor, no seu estado de ser, torna todas as coisas possíveis.

A entidade suposta como espírito ou alma provém da sabedoria cósmica, que em contato com as células especiais percebem todo o movimento das outras células e de todo o organismo; assim, pode-se afirmar como sendo a mente universal a alma de todos os cérebros humanos. O pensamento é o sofredor e o sofrimento a um só tempo. É ele o causador, a causa e o experimentador de si próprio.

Há o processo de reflexão metafísica que consiste em imaginar uma situação constrangedora e então, observar as reações do pensamento intervindo para solucioná-la. Nesta observação verifica-se que os pensamentos, pretensos solucionadores, são na verdade os criadores de conflitos. Com esta percepção surge o silêncio - que é o fim da intervenção dos pensamentos-e assim, é implantada a harmonia mental.

Os conhecimentos atuais e vindouros responsáveis pelas tecnologias e ciências presentes e futuras, são interpretações dos “princípios cósmicos” inerentes às células nervosas especiais que aguardam ser despertados e utilizados pelos pesquisadores metafísicos, em prol da humanidade. Todo ser humano que queira vivenciá-los, pessoalmente, poderá fazê-lo sem nenhuma sombra de dúvida, pois eles são pertences de toda a humanidade.

Com a mente harmonizada pelo silêncio, a energia suprema entra em contato com as células especiais, onde habita a sabedoria onisciente, despertando-a. Com este despertar, como a luz clareando um caminho, a sabedoria indica a ação correta sem margem alguma de erros, assim como os códigos genéticos, impresso nas sementes das plantas são receptivas às condições do solo, da água, da luz solar e da brisa noturna.

Observe-se como a compreensão é imediata, quando a coisa a ser compreendida foi atentamente ouvida ou vista. Não há tempo para que se compreenda algo, a coisa é sempre compreendida de imediato. O que foi adiado para uma compreensão posterior, por certo não havia interesse real por compreendê-la e, assim, o adiamento se caracteriza sempre como uma fuga, por medo ou por desinteresse à coisa apresentada. A compreensão é atemporal, ou se compreende agora ou nunca. Na atenção plena o tempo psicológico não existe, por quanto a memória não reage ao evento.

A compreensão irrestrita só é possível pelo sentir profundamente, quando pela atenção, todos os sensórios estejam alertas à tudo aquilo que se apresenta no campo da mente. Mas, para que os sentidos cheguem a este estágio, o auto conhecimento já deve estar estabelecido nas células nervosas. O discernimento faz com que as células que por ventura tenham sofrido avarias se regenerem totalmente - quando a causa tenha sido por questões emocionais. É claro que células destruídas por acidentes em que houver perda de massa cefálica, não possam ser recuperadas. Pela atenção consciente às crises que estejam nos afligindo, em que havendo um processo de deterioração de neurônios, motivados pôr crises emocionais anteriores, faz com que o processo deteriorante cesse e seja revertido à condição regenerativa.

A mente cósmica possuindo toda a sabedoria necessária à sobrevivência do universo e dos cérebros, através das células especiais - como receptadoras e transmissoras, tais como o rádio e a televisão recebendo através da energia elétrica som e imagens - proporciona inteligência e harmonia àqueles que com ela estiverem sintonizados.

Os elétrons são veículos dos conhecimentos materiais e objetivos que promovem a codificação em todos os cérebros, fitas cassetes e disquetes.

A mente cósmica cuja sabedoria metafísica, é a base de tudo que existe como energia pura, habita no silêncio e no vazio; de movimento imóvel, pois nela não há nada se movendo, mas é a razão de todos os movimentos. A percepção é o movimento imóvel; nele não há idéias, nem pensamentos, mas há atividade.

Como a luz que nos faz ver tudo sem ser vista, estabelece pelo seu estado de ser, todos as coisas percebidas pelos cérebros dos seres vivos como sendo concretas, mas para Ela são apenas efeitos virtuais. O cérebro é programado para perceber através dos sentidos físicos as realidades virtuais da mente cósmica, como fatos relativamente concretos.

Os sensórios, pertinentes à sabedoria cósmica, residem nas células especiais. Tanto os sentidos físicos quanto os metafísicos independem da memória, como por exemplo os princípios da percepção, da compreensão e do amor não têm vínculo com a mesma. Promovem as ações biológicas dos aparelhos: circulatório, digestório e respiratório, assim como andar, ver, sentir e ouvir acontecem, sem que precisemos aprendê-los de outrem.

São congênitos, e despertam das células especiais, quando o cérebro atento e silencioso faz o contato com a mente cósmica, induzido pela necessidade orgânica e/ou intenção consciente.

As células especiais não têm nenhum relacionamento recíproco com a memória e entram em contato com a consciência cósmica, quando aquela silencia. Nesse contato, as células cuja função é despertar a suprema inteligência, traduzem-na como percepção da verdade a tudo que os sensórios vão constatando. Assim, os desafios apresentados não produzem conflitos e sim aprendizagem ou autoconhecimento, o que levará por fim sanidade a todas as células do organismo.

A atenção consciente às crises constantes emergentes da memória faz as suas células silenciarem e, como numa mudança de chave elétrica, as células especiais entram em operação no comando do sistema nervoso levando-o ao desempenho efetivamente racional.

A suprema inteligência que é a mente cósmica age através de códigos existentes em células nervosas especiais e utiliza-se da memória para ações efetivamente plenas, isentas de geração de conflitos.

A mente é a performance da memória e também da percepção originada das células especiais.

Como performance da memória condicionada, atua em todo o campo da objetividade mecânica, da tecnologia, da ciência e do intelecto. Como performance das células especiais nada tem a ver com a memória. Esta pode, apenas, ser usada para dar explicações, utilizando-se do idioma como conhecimentos e palavras gravadas na memória.

As células especiais são como as sementes das plantas, cujos códigos são eternos e imutáveis, seguindo naturalmente o movimento cósmico nas destruições e criações constantes. Elas agem apenas para a harmonia e equilíbrio das questões subjetivas ou psicológicas, em todos os sistemas do organismo. Por compreenderem de forma plena e imediata, as percepções dos sentidos sensoriais lhes mostram a direção correta a ser tomada.


Capítulo 10

A vida é consciência

Há na memória informações adormecidas há milhares de anos, mas que podem ser despertadas a qualquer momento desde que ocorra algo que tenha similaridade com elas. Pela associação, um acontecimento recente pode revelar outros que estejam inertes nos subterfúgios da mente. Estas informações só serão banidas das células, quando da ocorrência de um fato qualquer a consciência esteja atentamente acompanhando a associação de idéias até o seu desfecho.

Comumente as associações só acontecem com eventos recentes, e aqueles que surgem ocasionalmente. Os efeitos conflitantes têm suas potencialidades conforme o tempo cronométrico, entre os acontecimentos de agora com os ocorridos anteriormente e também conforme a gravidade de cada um deles. Quanto mais recentes e graves, maiores suas pungências, e perigosos se tornam as atitudes dos que estiverem submetidos àqueles conflitos atuantes. Uma questão remota pode manter-se sempre recente, quando revivida ou relembrada de forma constante. Convém que seja entendida adequadamente afim de que cesse sua continuidade e conseqüentes conflitos. Com a compreensão do fato a memória pode inibir-se, não reagindo mais quando ele surgir novamente pela lembrança.

Aquilo que é transladado para os genes da prole é informações dos eventos vivenciados de forma recente ou relembrados - registrados novamente.

Os códigos genéticos estão adormecidos tal como muitas informações de um passado remoto, vividos pessoalmente e biologicamente, e que poderão ser despertados, relembrados pela reação a um novo fato. Também as informações genéticas do animal, tanto quanto as codificações nas sementes do reino vegetal, têm seus desempenhos estimulados pelo meio ambiente.

O convencionalmente chamado inconsciente e subconsciente são apenas informações adormecidas e semi-adormecidas que serão afloradas à consciência (lembranças) por estímulos exteriores e interiores, mas que sendo percebidos silenciosamente não serão registrados de novo. Em não se repetindo os registros as células cerebrais ficarão livres definitivamente de suas persuasões. As células não registrando novamente suas lembranças vão aos poucos perdendo os registros velhos, a ponto de se virem livres totalmente deles. É o que chamo de regeneração celular. Algo é experimentado, e a memória naturalmente o codifica guardando a experiência. Se não houver qualquer comentário ou alusão referente àquele fato, ele será eliminado simplesmente das células. É o pensar, mesmo involuntariamente, que faculta a continuidade do registro de um evento qualquer. Quando um cérebro percebe que não é preciso dar importância a situações supérfluas, o registro ou continuísmo se dilui.

A evolução das idéias vem com as experiências novas, que vão modificando os registros anteriores pelo acrescentar, substituir ou eliminar naturalmente as idéias antigas, tal como, quando se está escrevendo um livro durante suas revisões. As experiências passadas só influem no comportamento quando forem relembradas e mantidas pelas experiências recentes que se associam pelo pensamento àquelas.

Em não havendo associações constantes, as informações antigas se tornam inertes, podendo ser relembradas pelo experimentador, mas sem alguma afetação, se alguém, por acaso, comentá-las em sua presença.

São as interpretações ou condenações a um fato ocorrido, ao lembrar-se dele, as causas do conflito. Já ocorreram fatos, em que alguém, tendo sido magoado por outrem, ao serem lembrados posteriormente, com o cérebro em alerta, as reações foram apagadas da memória. Esta ao ficar livre não mais apresentou quaisquer resquícios de constrangimento, quando em outros encontros com o desafeto. A coisa foi tão surpreendente que se percebeu nos relacionamentos subseqüentes uma tranqüila simpatia. É realmente uma situação fascinante e que deixa o indivíduo que a experimentou em estado de perplexidade.

As lembranças recentes ainda incompreendidas ou propositadamente guardadas na memória como mecanismo de defesa, estabelecem situações constrangedoras - o hábito de sentir-se vítima contribui para que crises e pretensões tenham continuidade na memória.

Quando as informações remotas vêm à lembrança - o inconsciente aflorando à consciência - então o pensamento é compelido a agir segundo elas. Nunca porém, o inconsciente agiria diretamente na execução de atitudes; torna-se necessário que a consciência se lembre do ocorrido anteriormente, através de associações de imagens, para então, após o novo registro que se faz consciente, tomar a iniciativa da próxima ação. Em se querendo estar livre de repetições de atitudes compelidas pela consciência, urge que se lhes percebam as manifestações, no instante em que surgem os desafios, afim de que as lembranças anteriores não interfiram nos novos acontecimentos. É assim que se impedem novos registros e a continuidade das atitudes inconvenientes.

No momento em que se nos apresenta um desafio qualquer não há nenhuma emoção, esta ocorre no instante seguinte após a lembrança de algo que sugere perigo ou tristeza; ou seja, assim que se apresenta um quadro imaginativo. Por exemplo: vemos uma mulher de biquíni à beira mar, a emoção só aparece como desejo, no momento em que o pensamento tenha criado a fantasia sexual com ela. Se a mulher for filha ou esposa do observador não haverá a sensação de posse, por que não houve projeção de imagens libidinosas.

Quando o cérebro efetivamente silencia, então, o insólito surge, obviamente sem procedência da memória coletiva ou das experiências e conhecimentos vivenciados pelo organismo do observador, mas por receptividade das “células especiais”.
O insólito são princípios eternos, fundamentos da sabedoria cósmica: fonte de onde emana todo o universo, toda a criação. Pesquisei-o durante vinte e cinco anos, dentro de mim, para que pudesse senti-lo profundamente de forma inconteste e irrefutável, para a minha consciência.

Toda situação conflitante será diluída, se quando do seu surgimento, no campo da mente, for percebida de imediato, pois, a única coisa a que os conflitos não podem sobreviver é serem percebidos de forma imparcial, tranqüila e silenciosa - sem identificação, sem censura, sem preocupação ou tentativa de alterar a coisa observada.

A mente está habituada a procurar soluções através de teorias, ou fugir para entretenimentos religiosos, lúdicos, intelectuais e sociais, sem se aperceber de suas respostas insatisfatórias e, desse modo, incentivando a continuidade dos seus infortúnios.

Todo o pensamento e sentimentos, enfim, toda ação ou reação, provêm da memória. O eu, a psique, a alma, a consciência, tudo aquilo que somos é somente memória. Quando esta cessa por um acidente qualquer, coma, desmaio, anestésico, sono, morte - perde-se a consciência e assim desaparece o existir, e nada mais somos. Se não tivermos consciência de estar vivos, na verdade, estamos mortos. A vida é consciência; o homem que ficou louco não vive; não tem existência consciente.

A análise é a apreciação dos conflitos através de conhecimentos (teorias) por isso tem pouca validade, porque toda teoria psicológica é incompleta e, assim, ela condiciona mais a mente, predispondo-a a novos conflitos. As frases fabricadas podem apenas dar uma refreada nos impulsos neuróticos, não elimina a compulsão interior e, em outra oportunidade, pode não ser contida.

Os conhecimentos condicionam a mente a ficar repetindo-os, como reação a todos desafios que vão surgindo a cada momento, impossibilitando que aqueles se revelem tal qual como o são, em suas próprias naturezas. É a intromissão que estabelece uma idéia a respeito do fato, sempre falaciosa, porque a realidade só pode ser compreendida pelo sentir profundamente “aquilo que é”. Quando se observa através das idéias, os fatos sofrem a influência dos anseios e receios ocultos do observador, o que favorece a conclusão falsa.

Não há mutação possível através de conhecimentos ou pensamentos; a única transformação só ocorre pelo percebimento do fato em si, pela atenção plena e silenciosa. A atenção é a chave da magia mental.

Convivi quando adolescente com um colega de ginásio, e levei de vista as humilhações e os espancamentos que ele sofrera do pai. Logo após, bastante deprimido pelas cenas presenciadas, ficava confuso quanto à reação do meu amigo, que revoltado afastava-se esbravejando pragas e impropérios terríveis. Anos depois, quando já havíamos constituído família, tomei conhecimento de que o seu genitor estava em falência comercial, e encontrava-se em plena miséria. Ao entrarmos novamente em contato, verifiquei o carinho e a assistência que o amigo dispensava aos pais. Um dia, em diálogo com o velho, este confessou-me que nunca poderia ter imaginado a grandeza do homem que era o seu filho. Procurei sondar a questão, e perguntei ao amigo o porquê de tanto desvelo para com os pais. Respondeu-me tranqüilamente: depois de todo o vexame ocorrido, percebi que as atitudes de meu pai, embora rústicas e cruéis, foram importantes para mim; serviram para que não me envolvesse com as drogas, a hipocrisia social e as más companhias - o que me despertou a responsabilidade perante a vida. Hoje agradeço a Deus, a coragem que o meu velho teve em cuidar de mim; você não sabe, mas, intimamente, eu era um indivíduo perigoso. Fatos como este levaram-me à compreensão de que, em não havendo reação à lembrança consciente ou inconsciente, com motivos ou sem motivos aparentes, o conflito não se estabelece; podendo ser aniquilado ali mesmo, pelo percebimento de “o que é.”

O êxito é supremo quando o percebimento ocorre no instante do fato, pois evita que as mágoas se acumulem e desenvolvam uma tragédia. O meu amigo teve a sorte de perceber a situação posteriormente, mas, com certeza sofreu profundamente enquanto durou a sua revolta.

Perdoamos quando somos magoados por uma compulsão das crenças, do medo ou por desejar livrar-se do sofrimento que a mágoa sempre nos impõe. Esse “perdoar” significa suprimir a violência interior, e por isso, não tem significado relevante. Quem foi magoado não pode perdoar; pode renunciar a uma vingança, mas o ressentimento permanece intimamente. Com o autoconhecimento a memória alcança a capacidade de não mais registrar situações conflitantes, por tê-las compreendido completamente e de imediato, quando de suas ocorrências. Assim, não haverá necessidade de se perdoar coisa alguma, já que a mágoa não se tenha estabe-lecido na memória.

O homem verdadeiramente moral não se escandaliza, nem escandaliza coisa alguma. E, se pelo autoconhecimento, a sua percepção não é sucetível a sentir-se magoada; ele não tem o que perdoar.

É a vaidade ofendida que perdoa. O homem humilde, por ser infenso, nunca perdoou, nem terá motivos para tal. Sua mente é inabalável.




Capítulo 11

O conhecimento psicológico

O Conhecimento psicológico é desastrosamente limitado. Tudo que é expresso em palavras não tem realidade alguma. Talvez o homem possa dizer unicamente uma expressão verdadeira, que seria: eu sou mentiroso. A experiência por ser incompleta produz o conhecimento fragmentado e conseqüente pensamento limitado. Todas as coisas que foram ditas ou escritas no passado, há milhares de anos ou de alguns segundos e as que serão ditas agora ou sempre, por certo nada têm ou terão de real.
Todos os ideais são falsos, assim como as instituições criadas pelo pensamento humano. Todos eles excelentes fugas ao não-enfrentamento dos fatos.
Embora todo diálogo ou escrito sejam ilusórios, algumas declarações podem fazer o homem perceber o verdadeiro no falso, e isso é a grande beleza e oportunidade para quem já tenha a capacidade de saber ouvir. Uma vez descoberta a verdade por si mesma, o homem poderá vivê-la pelo exemplo de dignidade e decência, expresso em um comportamento coerente.

Compreendendo-se de forma efetiva a natureza do pensamento, compreende-se também que quaisquer vitupérios ou exaltações direcionados a uma entidade por ventura sagrada, nenhum significado tenha - uma vez que as considerações atribuídas são apenas jogos de palavras, estruturadas para expressões dos anseios e temores ocultos.

O pensamento nenhum poder tem para alcançar aquilo que esteja incomensuravelmente além dos seus limites. A consciência humana, produzida pelo cérebro tão limitado, não tem relação alguma com a consciência cósmica. Tudo que projeta através dos seus pensamentos tem a sua relatividade inerente aos seus movimentos em torno do “ conhecido”. O desconhecido nada tem a ver com aquilo que se conhece. O conhecimento é tão insignificante que dentro de milhões de anos, se a humanidade ainda existisse, estaria engatinhando pelo caminho infinito do desconhecido.

As nossas verdades proferidas têm os seus valores relativos no convívio social em que temos de sobreviver, e funcionam apenas no campo profissional, mecânico ou tecnológico; em situações psicológicas não podem funcionar, por que se constituem nos conhecidos ideais ou meramente concepções ou opiniões. As opiniões, para quem não tenha uma vivência pautada na realidade, são vistas como fatos. Porém, os envolvidos efetivamente pelos fatos, não possuem opiniões - não têm ilusões, crenças, ideais; vivem pelas percepções dos seus sensórios. São os factuais sentidos físicos e os ontológicos metafísicos que nos informam das condições do mundo em que experienciamos suas realidades. Os sentidos físicos mostram-nos o mundo exterior e os metafísicos o interior. Os sentidos metafísicos principais são: a percepção e a visão intuitiva. A primeira ocorre quando, intencionalmente, os sentidos físicos estão unidos na atenção, para a observação de algo físico ou psíquico que se queira entender plenamente. A visão intuitiva ocorre, quando o cérebro acontece espontaneamente silenciar, contatando com a consciência cósmica e tendo, então, discernidas as confusões mentais e restabelecidas as lesões ou avarias, que por ventura lhe tenham afetado física e moralmente.

O que é verdadeiro não pode ser elaborado pelo cérebro, consequentemente o real só acontece quando o cérebro silencia, quando a memória estiver ausente.
Quando em contato com a mente cósmica o cérebro é induzido pela visão intuitiva a proceder com probidade, utilizando suas informações de forma coerente, pois a energia pura da consciência atua em células especiais, existentes no cérebro, incentivando-as a emitirem suas sabedorias através do idioma conhecido pela memória. Somente nessa condição de contato Mente-cérebro, pode o homem expressar-se autenticamente pelas atitudes, e, embora tenha o discernimento necessário para proferir palavras, compreende o quanto são limitadas para descrever a verdade ou qualquer emoção. As verdades subjetivas são compreendidas pessoalmente por quem as vivenciam. Quando descritas perdem suas veracidades. Observem as situações dos seres humanos de hoje; são exatamente idênticos aos dos milênios passados, apesar de terem tido todo tipo de orientação psicológica, filosófica e religiosa.

Estando o cérebro em sintonia com a mente, o homem age com absoluta integridade, mas não pode transmitir verdade alguma pelas palavras, embora vivendo-a intensamente compreende ser ela absoluta e indizível.
Os sentidos metafísicos ou subjetivos podem interferir nos sensórios, aumentando-lhes as percepções. A afetação oposta é ínfima, sendo inválida a sua intervenção no campo metafísico.

Urge que o homem retome à “casa paterna”, e o fará, em se percebendo que o conhecimento e os pensamentos psicológicos são o motivo de todas as suas desditas. Esta mesma percepção o induzirá ao silêncio da memória, reativando as percepções extra-sensoriais, pelo restabelecimento ao contato com a consciência cósmica.
No contato cósmico, a mente particular habilita-se a não procurar soluções, mas, tão somente permanecer silenciosa, assistindo tranqüilamente a todo o drama que se apresente no seu palco. Assim, quando a crise surgir, permaneça com a crise; permita que ela lhe conte toda a sua história - você, então descobrirá mais uma bela história de autêntico amor.

A morte psicológica é a ausência da memória. E isto pode ser experienciado quando o cérebro silencia e, em contato com a mente, entra em estado de percebimento ou meditação transcendental. Ao se perceber a morte, em plena vitalidade orgânica e moral, o medo de morrer é totalmente eliminado, e a morte passa a ser a coisa mais querida e sublime da consciência humana. Conviver com a morte é conhecer a liberdade, em sua plenitude e beleza.

A mente só terá o esplendor de si própria, viver saudável e suprema inteligência, quando não mais houver a pendência do conhecimento psicológico – conhecimentos não-factuais. Então ter-se-á a energia necessária à destruição de toda crença nas filosofias, teologias, psicologias, livros sagrados e principalmente em tudo àquilo que a própria mente experienciou e acreditou.

Só quando o pensamento não mais interfere na percepção e no estado de experimentar diretamente o fato é possível se conhecer a verdade, compreender aquilo que é. O estado de experimentar é a condição de percebimento às reações internas e externas a cada momento que passa. A verdade não sendo estática não pode ser aprisionada, retida na memória nem em livros. Ela é o movimento infinito da própria vida – é a própria vida refletindo-se a cada instante.

Para que a consciência efetivamente possa estar apta a compreender de imediato os desafios que surgem no campo mental, necessário se faz a liberdade quanto as idéias, teorias, crenças e conclusões. A vida tem que ser experienciada com base em fatos: estando a consciência expurgada de todo conhecimento psicológico.
Em estado de percebimento a mente não esta vazia nem letárgica, apenas livre das intervenções da memória. A compreensão é então plena e imediata pois a mente não mais reage aos desafios; está silenciosamente pacífica, imparcial e pode permanecer em longos períodos sem manifestar-se.

A verdadeira compreensão é o percebimento imediato daquilo que ocorre no “agora” em que a atenção é suprema e plena de energia. Esse percebimento é ação da sabedoria, a essência própria dos princípios cósmicos, eternamente criativos.

Não há privilégios na consciência cósmica, todo o cosmos é cuidado para usufruição de todos os seres vivos, cabendo ao homem – o único animal que pode ser racional – perceber a sabedoria, o poder e o amor que lhe são destinados afim de que reine a paz sobre o seu habitat, conforme o respeito que lhe seja oferecido.
Tendo-se percepção da consciência cósmica, nada mais é preciso fazer, além de se estar cônscio do desafio que se nos apresente.

Essa consciência efetivamente irá dissolver o desafio, transformando-o em nada; será sua ação precisa e definitiva. A mente coletiva, intelectual, expressa-se pela memória, enquanto a mente auto consciente expressa-se pela compreensão.
E, pode a mente deixar de expressar-se pela memória, pelo conhecimento? Este é o grande desafio que se terá de enfrentar, pois a mente só será efetivamente livre quando isto ocorrer. A supremacia da mente se constitui em seu estado absoluto de não-reação. Isto é algo que está muito além dos nossos sonhos nunca sonhados. Mas que, pelo autoconhecimento todas as coisas de caráter psicológico se tornam viáveis.

Josias Nunes Silva

Postado por Marco Antonio de Cádiz e Luís da Velosa